Universidade está diante de ‘tsunami de desafios’ e terá que se ‘politizar’ e reorientar seu ensino e pesquisa


Os “trabalhadores e trabalhadoras do conhecimento” que hoje pesquisam e ensinam nas universidades públicas brasileiras estão prestes a enfrentar “um tsunami de desafios” já colocados pela atual realidade socioeconômica do país, mas que se tornarão ainda mais profundos diante dos novos arranjos econômico-produtivos em curso no capitalismo contemporâneo.

Para enfrentar esses desafios, a universidade pública terá que se “politizar”, se reorientar e definir para quais realidades e exigências dirigirá a produção de seu conhecimento tecno-científico a partir de agora.

Essas análises foram apresentadas pelo professor Renato Dagnino (IG) no terceiro evento do ciclo “Encontros pela Democracia”, e que teve como tema “Como ajudar a reconstruir e transformar o Brasil? A ADunicamp pensa a Unicamp”. Os Encontros são promovidos pela ADunicamp para discutir e debater temas ligados às eleições de outubro (programação abaixo).

Para o professor, as universidades “não estão preparadas para enfrentar esse tsunami” e as novas demandas passarão necessariamente por uma mudança ampla nas “agendas de ensino, pesquisa e extensão, e em nossos arranjos institucionais”.

“A Unicamp é um arquipélago onde nós temos ilhas habitadas por inexatos e por desumanos. Essas ilhas são ilhas e como nós fomos incapazes de construir pontes interdisciplinares, esse é um desafio fundamental. Nós seguimos não conversando e, o pior, alimentando preconceitos. E isso só pode ser transformado na medida que se politize a universidade. E aquilo que pode nos unir ainda mais do que as ações interdisciplinares é essa questão da mudança de orientação, que tem a ver justamente com a politização”, avaliou.

Assista ao evento no player abaixo

ECONOMIA SOLIDÁRIA

As atuais mudanças exigidas no modelo de produção de bens, dentro da realidade brasileira e do capitalismo contemporâneo, ficam óbvias, segundo Dagnino, diante do contexto socioeconômico que se apresenta hoje.

No Brasil, a População em Idade Ativa é de 180 milhões de pessoas. Apenas 30 milhões estão em trabalhos formais em empresas e outras 10 milhões no serviço público. “Aí tiramos, por exemplo, empresários, estudantes, donas de casa e teremos pelo menos 80 milhões de pessoas que nunca tiveram e não vão ter emprego”.

Já no plano global, há a pressão permanente pela mudança no padrão de produção e no perfil de consumo, por questões ambientais entre outras, mas principalmente pela exclusão da maior parte da população dos resultados do atual modelo tecno-industrial do capitalismo.

A impossibilidade de “reprisar o ciclo de crescimento de 20 anos atrás” coloca o Brasil diante do grande desafio, avalia o professor, de encontrar novos modelos de produção de bens, capazes de incorporar esse grande número de pessoas no processo produtivo.

“Teremos que pensar não só na reindustrialização empresarial, mas na reindustrialização solidária, baseada no desenvolvimento de empreendimentos solidários. Não se trata da mera distribuição de renda, mas na geração de renda pelos pobres”, defendeu. “Hoje tem tanta gente com fome no Brasil porque há 20 anos nós não alavancamos a economia solidária, não criamos arranjos econômicos produtivos que pudessem autonomizar essa classe subalterna, para que ela pudesse construir suas oportunidades de trabalho e renda”.

O professor Dagnino, que também integra o Grupo de Trabalho de Tecnociência Solidária do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp, relatou que no mundo inteiro há uma busca por esses novos modelos produtivos.

“Trata-se como economia circular, economia sustentável e assim por diante. Aqui no brasil a gente chama de economia solidária, como poderia ter outro nome. Mas o que eu quero chamar a atenção é que no mundo inteiro as cooperativas e estruturas semelhantes estão bombando, na Europa, nos Estados Unidos”.

E a criação de modelos tecno-científicos que apoiem, deem diretrizes e catalisem essa nova formulação do processo produtivo passa necessariamente pelas universidades públicas brasileiras. “É aqui que estão os trabalhadores e trabalhadoras do conhecimento. E nós sabemos como fazer”.

E, para isso, é indispensável que as universidades se politizem, “abandonem a falácia da ciência neutra” e passem a trabalhar o ensino e a pesquisa a partir das exigências impostas pela realidade do país.

MODELO INEFICAZ

Para respaldar suas posições, o professor Dagnino fez, durante sua palestra, uma longa e detalhada análise da formação da universidade pública brasileira e da forma como os modelos de ensino e pesquisa se estruturaram.

Desde o Império, lembrou ele, as orientações de ensino e pesquisa das universidades públicas seguiram modelos moldados fora do país, recentemente a partir dos “modelos vindos do Norte”, e com base em interesses específicos de elites econômicas e políticas. E, portanto, dissociadas das principais exigências da realidade do país.

Mas, hoje, o grande volume da pesquisa pública e do ensino nas universidades já não serve mais para os reais interesses das elites empresariais e econômicas. E, para o professor, os sucessivos cortes recentes de recursos para a ciência mostram exatamente isso. Daí, que as próprias universidades públicas têm um papel e uma responsabilidade na reorientação de seus rumos e destino.

“E encontros como esse, promovidos pela ADunicamp, são essenciais para que essas questões sejam debatidas. O que a ADunicamp está propondo com esses eventos é um diagnóstico mais preciso da situação para buscar a ação. A ideia, essencial a qualquer sindicato ou associação, é motivar seus companheiros e companheiras e, no nosso caso, levar para uma ação transformadora da universidade”, avaliou Dagnino.

A vice-presidenta da ADunicamp, professora Sílvia Gatti (IB), que coordenou a Mesa do encontro, lançou a proposta de promover cursos destinados a docentes para aprofundar as questões propostas por Dagnino. Para ela, esse aprofundamento do debate é fundamental para que “nossos/as docentes possam ser agentes de transformação para o presente e para um futuro próximo”.

EVENTOS REALIZADOS

Acesse ao canal da ADunicamp no Youtube e assista aos “Encontros pela Democracia” já realizados: https://youtube.com/playlist?list=PLq7VyOpHKJb33Zl0VJipD-0t1m890BVdW


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