‘Bolsonarismo’ persistirá após eleições e representará ‘risco permanente’ à democracia, se não for contido


O “bolsonarismo”, força que se organiza desde 2012 como articuladora dos movimentos de extrema-direita no país, vai permanecer após as eleições de outubro e é indispensável que seja contido, inclusive com participação de organizações da “direita democrática”, para impedir que a incipiente democracia brasileira passe a viver “sob risco permanente”.

“Não basta só a esquerda. No mundo inteiro, onde a democracia se estabeleceu e firmou, sempre tivemos forças, mesmo dentro da direita, capazes de isolar a extrema-direita. Para repactuar a democracia neste momento não é possível acordo com a extrema-direita”.

Essa avaliação feita pelo professor Marcos Nobre (IFCH), durante o novo debate do ciclo Encontros pela Democracia, promovido pela ADunicamp nesta terça-feira, 13 de setembro, partiu de estudos recentes realizados por ele sobre o crescimento das forças de extrema-direita na história recente do país. Com o título “A democracia no seu limite: governo Bolsonaro e os possíveis futuros do país”, a palestra do professor mostrou como a articulação das forças de direita no Brasil tomou impulso a partir das grandes mobilizações de rua ocorridas no país em 2013. Assista abaixo:

“2013 não foi um momento. Não que criou coisas nem foi ponto de chegada ou de partida. Mas foi um ponto de referência que deixou claro que a democracia, naquele momento, não estava refletindo a expectativa da população brasileira”, apontou. Existia uma clara insatisfação que se manifestava de forma genérica “contra o sistema”, “contra tudo que está aí” ou no “ninguém me representa”.

Resultado de um sistema político que permanecera fechado a alguns anseios profundos da população, as mobilizações não foram compreendidas, em um primeiro momento, pelas forças políticas então predominantes no país. “E a resposta que o sistema político brasileiro deu foi se fechar ainda mais para a sociedade, ao contrário de se abrir para o que era demandado nas ruas. E essa reação teve consequências graves”.

Assim, na avaliação do professor, “a energia liberada nas ruas ficou solta nas ruas, na medida em que a sistema político não a acolheu” e não foi capaz de fazer uma “reforma profunda”. Parte da esquerda, as chamadas “novas esquerdas”, foi capaz assimilar essa “energia das ruas” e acabou por gerar importantes manifestações como a Primavera Secundarista, a Coalização Negra por Direitos, entre outros movimentos.

Mas, apesar de essenciais, esses movimentos à esquerda originados das mobilizações de rua, “não tinham força institucional”. “Quem teve essa força foi uma conjunção de forças da direita. De um lado a direita tradicional com seus partidos PSDB, DEM, PFL etc. E, ao lado disso, as ‘novas direitas’, os grupos liberais e ultraliberais que se aproveitaram da novidade da internet e fizeram uma organização digital de âmbito nacional”. O professor lembra que essa “nova direita” também consistia de grupos que eram genericamente “contra o sistema”, “contra tudo o que está aí” e até contra as direitas tradicionais.

E, ao lado dessas forças, também emergiram naquele momento os grupos políticos de caráter autoritário e que “nunca desapareceram no Brasil”, desde os tempos da ditadura. “Esses grupos sempre foram minoritários do ponto de vista político, mas não da população. Estudos apontam que de 10% a 15% da população brasileira têm características autoritárias, mesmo que não tivessem um comando político organizado que as representasse”, apontou o professor.

Entre 2015 e 2018, a “energia das ruas”, com a esquerda e o sistema político acuados, acabou encontrando essas vozes da “nova direita” que aparentemente davam sentido à genérica “revolta antissistema”. “Utilizaram o poderoso escudo da Lava Jato e canalizaram o sistema política que perdeu o controle da política naquele momento”, avaliou Nobre. E é nesse período de instabilidade permanente que o bolsonarismo surge como força agregadora da extrema-direita e se transforma em força hegemônica dentro do próprio conjunto da direita brasileira.

DESDE 2012

Vários estudos e análises recentes apontam, segundo o professor, que o bolsonarismo já se organizava desde 2012 em torno da decisão estratégica de “digitalizar sua vida política”. “Foi um dos primeiros, se não o primeiro político brasileiro a compreender isso: começa a digitalização da vida política e nacionaliza sua ação política”.

O professor relatou que é muito difícil, por falta de estudos e informações, compreender as forças comprometidas com o bolsonarismo e com sua “máquina de desinformação e propaganda” no período de 2012 a 2018. “A gente sabe muito pouco, mas o certo é que foi uma estratégia construída, pensada, desde 2012. A partir de 2017, temos alguma informação, mas antes não”.

E essa máquina foi essencial para projetar o nome de Jair Bolsonaro como a força agregadora da extrema-direita e que foi capaz de ampliar sua base de apoio e eleitoral junto às forças políticas, empresariais e outras da direita tradicional, a partir de 2017. A direita tradicional também estava acuada, a “nova direita” dividida, e Bolsonaro cresceu como opção da direita.

“O tempo foi passando e só tinha uma organização de direita com capacidade mais ampla de ação. Então Bolsonaro começa a agregar forças. Ele aparece com uma folha em branco, como quem diz: ‘Eu mesmo não penso nada, mas se você disser o que eu tenho que fazer, eu faço pra você’. E todas as forças caíram nessa esparrela, achando que iriam tutelar Bolsonaro”, avaliou.

Para o professor Nobre, uma das grandes ameaças que a democracia brasileira atravessa, neste momento e no pós-eleições, é que a força de extrema-direita representada pelo bolsonarismo se mantenha como a força hegemônica da direita. “Portanto o que temos diante de nós é um problema maior. Não é saber se ele vai ser derrotado eleitoralmente, mas saber que socialmente ele vai continuar. Será possível surgir uma direita democrática que dispute com Bolsonaro e consiga isolar a extrema direita dentro da direita? Não sabemos, mas se isso não for possível a democracia estará em risco permanente”.

AGENDA

Além do evento desta quarta-feira, existem outros agendados. Na sexta-feira, dia 16, será a vez do Prof. Renê José Trentin Silveira (FE/Unicamp) debater sobre “subversivismo reacionário e Educação”. Confira a programação completa dos “Encontros pela Democracia” em: https://bit.ly/3zPHVvv

EVENTOS REALIZADOS

Acesse ao canal da ADunicamp no Youtube e assista aos “Encontros pela Democracia” já realizados: https://youtube.com/playlist?list=PLq7VyOpHKJb33Zl0VJipD-0t1m890BVdW


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