A ascensão do autoritarismo e do conservadorismo e que está em curso no Brasil capitaneada pelo governo de Jair Bolsonaro, trava uma disputa por hegemonia no campo da Educação e coloca em risco importantes avanços pedagógicos, humanitários e de inclusão social conquistados na última década. E essa disputa certamente continuará após as eleições presidenciais de outubro, seja qual for o resultado, pois está fortemente ancorada em setores retrógrados, com recortes fascistas, da sociedade brasileira.
Essa avaliação foi feita pelo professor Renê José Trentin Silveira (FE) no debate intitulado “Subversivismo reacionário e Educação”, realizado nesta sexta-feira, 16 de setembro, dentro do ciclo Encontros pela Democracia, promovido pela ADunicamp. Assista abaixo:
O professor relatou que o termo “subversivismo”, utilizado por ele para dar nome ao debate, foi inspirado em um texto do filósofo italiano Antonio Gramsci. O filósofo acusava o então ascendente líder fascista Benito Mussolini de utilizar discursos de suposta “subversão da ordem social vigente” para, na verdade, propor retrocessos e ir contra o avanço social.
“Pode-se dizer que o subversivismo tenta subverter a ordem social, mas não por outras propostas qualitativamente superiores, mas para retroceder”, afirmou o professor. E, para ele, as propostas para a Educação colocada hoje pelas forças conservadoras no Brasil têm a mesma conotação. “São retrógradas, militaristas, moralistas e ultrapassadas”.
Na avaliação do professor, mesmo que não tenham “promovido alterações significativas” os governos petistas implementaram medidas importantes na Educação brasileira a partir de 2002. Ele fez um longo histórico desses avanços e ressaltou, entre eles, o Prouni (Programa Universidade Para Todos), que “possibilitou ingresso de grande contingente de pessoas de camadas subalternizadas” nas universidades; a implantação de 18 novas universidades federais, juntamente com o plano de apoio às já existentes; além de uma série de programas de inclusão, como a Lei de Cotas, o estudo da cultura africana e indígena, o combate ao racismo e à homofobia, obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia no ensino médio e a consolidação da cultura democrática e cidadã nas escolas, entre outros.
A mudança no perfil de acesso às universidades e escolas básicas, assim como a ampla abertura para o debate de temas que até então “eram vistos como tabu”, provocou grande reação das camadas conservadoras. “As elites, que antes só disputavam com seus pares, viram as universidades invadidas por jovens negros, periféricos e que, pelo seu ver, não deveriam estar ali”, avaliou. “Tudo isso ameaçava a hegemonia da classe dominante e a manutenção de alguns de seus espaços seculares de poder”.
A REAÇÃO
É dentro desse universo que o bolsonarismo surge, segundo o professor, “como alternativa útil” a esses setores. “A exemplo do fascismo italiano, o bolsonarismo parece não ter uma ideologia própria, sua. Propaga um pseudocristianismo, um moralismo retrógado fundado em preconceitos, com apelos à ‘segurança’ e emprego da violência”.
No plano da Educação, elementos dessa “pauta retrógrada” já vinham sendo costurados no Brasil anteriormente a Bolsonaro, mas “caíram como uma luva” nas propostas dele. A primeira delas, citada pelo professor, foi apresentada como projeto de lei na Câmara Federal, em 2003, e depois replicada em câmaras municipais por todo o Brasil, e ficou conhecida como Escola sem Partido.
“O Escola sem Partido promoveu uma ampla campanha contra docentes, acusados de ‘doutrinar’ nas salas de aula. O objetivo declarado do projeto era o de combater a doutrinação nas escolas, a doutrinação partidária, supostamente realizada pela esquerda; doutrinação racial, doutrinação de gênero e assim por diante”. E o bolsonarismo incorporou em seu plano de governo todas as teses retrógradas do Escola sem Partido.
A militarização das escolas é outro ponto grave de retrocesso que vem sendo implementado na área da Educação, segundo o professor. “Com a eleição do Bolsonaro, uma das primeiras medidas foi a implantação, por decreto assinado em setembro de 2009, das chamadas escolas cívico-militares”, que supostamente deveriam “promover a melhoria do ensino médio”, priorizando escolas em situação de vulnerabilidade social. Com o apelo de que reduziria a violência nas escolas, o que não se confirmou, o projeto foi aceito por muitos docentes e dirigentes escolares e continua a ser implantado em vários municípios brasileiros.
O modelo de gestão é o mesmo das escolas militares e emprega quadros militares da ativa e da reserva das Forças Armadas e das PMs, tanto para lecionar como em funções gerenciais e administrativas. Como todos são remunerados e recebem salários superiores ao do corpo docente concursado, o modelo acaba por retirar recursos que deveriam estar destinados à educação pública.
“Nas escolas que adotam o programa, estudantes usam fardas ou uniformes de inspiração militar. Fazem ordem unida e batem continência para as autoridades presentes. Trata-se de uma doutrinação, de um programa que diz desenvolver valores para a cidadania, mas reproduz de fato a cidadania da caserna, da disciplina mecânica e sem questionamentos. Às favas, portanto, com qualquer princípio de gestão democrática”, comentou o professor.
Seguindo a mesma direção, o governo Bolsonaro, e agora já com inspiração e posicionamento claro de setores das Forças Armada, passou a incentivar as escolas paramilitares, instituições privadas que oferecem “cursos militares e paramilitares, sob alegação de preparar alunos para entrar nas escolas militares”.
Nessas escolas, relatou o professor, existe todo um disciplinamento e crianças e adolescentes portam, inclusive, réplicas de armas de fogo e imitam ações militares. “Prometem melhorar disciplina dos filhos, dizem que estimulam o respeito à autoridade, à disciplina e que incentivam valores como a força, honra, espírito militar e a bravura. Esses cursos têm proliferado e se expandido pelo Brasil afora e são, sempre, dirigidos por seguidores do presidente”.
IDEOLOGIZAÇÃO E HEGEMONIA
O incentivo à militarização das escolas abriga, na avaliação do professor, uma vertente ideológica da extrema-direita que disputa por hegemonia no campo da Educação. E trata-se de um processo semelhante ao que ocorreu na Alemanha nazista, com a formação da Juventude Nazista, também pautada, como aqui, no conceito de “combate e eliminação” de um suposto inimigo.
“É como se declarássemos uma guerra à sociedade, utilizando até crianças. O resultado inevitável disso será o aumento da violência. A militarização favorece o mercado da violência, a multiplicação da venda de armas”, afirmou. Mais do que isso, incentiva a “formação de cidadãos dóceis, acríticos, bem comportados, no velho estilo da educação moral e cívica da ditadura, devidamente atualizada”.
O apoio declarado de clubes e institutos de militares a esse modelo, que se baseia essencialmente na doutrina de Segurança Nacional dos tempos da ditadura mostra, segundo o professor, que há uma estratégia nacional de longo prazo que busca a ramificação dessas ideologias na estrutura do ensino. E, sob a falsa premissa de combater a “ideologização do ensino”, combate uma “determinada noção de doutrinação” e outras não. “Ninguém acusa essas escolas de doutrinação”, apontou o professor. “E o que se desenha é uma grande estratégia de hegemonia e de exclusão dos avanços sociais”.
PELA DEMOCRACIA
O debate com o professor Renê foi o sexto evento da série “Encontros pela Democracia”, promovido pela ADunicamp desde agosto, e que prossegue no dia 21 de setembro com o professor Fernando Hashimoto (IA), que vai falar sobre “O desmonte da Cultura no Brasil”. O ciclo será encerrado, em 23 de setembro, com a professora Rosana Onocko (FCM) e o professor Gastão Campos (FCM) que tratarão do tema “SUS: impasses e desafios”.
A professora Regina Célia Silva (CEL), diretora de Comunicação da ADunicamp e coordenadora da Mesa do evento com o professor Renê, antecipou que esta poderá ser apenas a “primeira temporada” dos Encontros pela Democracia. “Porque muitas temporadas serão necessárias daqui para frente para consolidar nosso (re)encontro com a democracia que, como sabemos, não se dará plenamente apenas com a vitória das eleições, embora ela seja imprescindível. O (re)encontro com a democracia precisa ser permanente e diário em todas as esferas da vida pública e privada. O combate ao autoritarismo é um combate, uma luta perene”, argumentou ela.
PROGRAMAÇÃO
Na próxima semana ocorrerão os dois últimos eventos da série. Na quarta-feira, dia 21 de setembro, o Prof. Fernando Hashimoto (IA/Unicamp) trará para o centro do debate as questões relacionadas ao desmonte da Cultura no Brasil.
Na sexta-feira, dia 23 de setembro, a Profa. Rosana Onocko (FCM/Unicamp) e o Prof. Gastão Campos (FCM/Unicamp), encerrarão a série “Encontros pela Democracia”, ao debater os impasses e os desafios para o futuro do SUS.
EVENTOS REALIZADOS
Acesse ao canal da ADunicamp no Youtube e assista aos “Encontros pela Democracia” que já foram realizados: https://youtube.com/playlist?list=PLq7VyOpHKJb33Zl0VJipD-0t1m890BVdW
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