O PROJETO DO CAPITAL PARA A EDUCAÇÃO : COMO ENFRENTÁ-LO


Seminário: Estado e Capital

O PROJETO DO CAPITAL PARA A EDUCAÇÃO : COMO ENFRENTÁ-LO

Reforma do Ensino Médio, militarização das escolas, 10 anos da política de cotas, plataformização do ensino.

DATA 10 A 12 DE MARÇO – Fortaleza organizado pela Regional Nordeste 1 – ANDES-SN

Texto abaixo traz uma síntese e considerações baseadas nas apresentações feitas pelos professores Claudia Piccinini, Nilson Cardoso no “Painel do Ensino Médio”, e por Justino Júnior e Ana Carolina Galvão, na mesa  “O projeto do Capital para  a Educação”, realizadas durante o VII Seminário: Estado e Educação organizado pela Regional Nordeste I do ANDES Sindicato Nacional.

Para uma melhor compreensão da Reforma do Ensino Médio é preciso levar em conta o estágio atual do Capitalismo caracterizado pela redução extrema do trabalho formal, pelo desemprego estrutural, pela precarização e rebaixamento das condições de trabalho, pela massificação e pelo aumento exponencial da competitividade.

Diante da mais profunda crise do sistema capitalista, em um movimento autofágico – e macabro – no qual busca uma sobrevida, o Capital volta-se contra os dois outros polos que constituem o sistema: o trabalho e os recursos naturais. O sistema de ensino como parte essencial do metabolismo desse sistema se complexifica para atender à  complexidade desse movimento.

O Capital como um todo NÃO tem propriamente um projeto para a educação. No Brasil assistimos à execução do projeto de um setor do Capital, que se apropria da estrutura pública de ensino, proporcionando obviamente lucro imediato para empresas e grupos privados diretamente envolvidos no seu espólio, mas sobretudo adestrando e subjugando uma população “supérflua”, que poderia eventualmente fomentar as contradições entre Capital e Trabalho.

Nesse sentido, o objetivo político central da Reforma do Ensino Médio – e da Militarização das escolas – é “a contenção” da juventude brasileira, dos filhos da classe trabalhadora e dos pobres. Coerente com esse intento, representantes de um certo setor do Capital entram em cena para impor uma reforma, que do ponto de vista político, significa uma capacitação com foco no disciplinamento dos jovens, que justamente podem ou poderiam encarnar um potencial contraponto político ao sistema – basta lembrar a ocupação das escolas em 2016. Para compreender essa dimensão da “contenção política”, vale a pena assistir dois documentários do diretor argentino Carlos Pronzato, que registrou a mobilização popular, a reação e o rápido processo de politização dos estudantes secundaristas, diante do ataque à Educação pública no Chile e no Brasil na década passada A rebelião dos pinguins  e Acabou a paz, isto aqui vai virar o Chile!

Ao longo da história, o sistema capitalista produziu uma Educação de massa que espelha um processo civilizatório contraditório. Por um lado, a Educação e em particular a pesquisa científica geraram o que há de mais avançado em termos de conhecimento e produção tecnológica. Por outro, apropriado por setores do Capital, esse mesmo avanço está a serviço do aprofundamento dos processos de exploração do trabalho e dos recursos naturais.

Do ponto de vista pedagógico, a proposta da Reforma do Ensino Médio se apropria de discursos travestidos de democracia, pautados no mote “aprender a aprender” herdado do construtivismo, e na pedagogia das competências,  na autonomia do aprendiz, segundo a qual é “mais importante o processo que os resultado”; ao introduzir os itinerários flexíveis, na prática, substitui conteúdos essenciais de um percurso de educação propedêutica por uma formação para o mundo do trabalho precarizado, que já pode inclusive ter início dentro da própria escola, uma vez que, para certos cursos, prevê uma parte da formação em EAD e outra nas empresas, sem vínculo trabalhista. O foco no indivíduo e no desenvolvimento das próprias e micro competências retira a dimensão social, coletiva e classista, dando lugar ao apagamento da identidade de classe. Os alunos passam a se ver como potenciais empreendedores de si mesmos ascendentes à burguesia. Essa distorção da própria identidade reforça e aprofunda ainda mais a exploração e as desigualdades.

Ao remover direitos e parâmetros pedagógicos de aprendizagem conquistados e assegurados pela LDB para uma formação cidadã pautada em um currículo constituído de conteúdos formais historicamente acumulados e consolidados, o NEM introduz na escola instrumentos de controle e difusão ideológica promovendo o esvaziamento da escola enquanto lugar de luta e formação política e crítica dos filhos da classe trabalhadora.

O currículo deficitário e desidratado proposto pelo NEM inviabiliza a entrada e a permanência dos filhos da classe trabalhadora na universidade. Nesse sentido, o NEM funciona de quebra como um poderoso “antídoto” ao programa de cotas e às políticas de permanência, arduamente conquistado há dez anos no âmbito das políticas afirmativas, uma vez que os alunos oriundos das escolas públicas terão ainda maior dificuldade em acompanhar os cursos formais. Serão assim, naturalmente expulsos do sistema de ensino superior.

É inadequado falar em evasão escolar neste caso, o mais apropriado é mesmo expulsão tanto no nível do próprio ensino médio quanto posteriormente na universidade. O “cardápio” das eletivas dos itinerários/percursos/trilhas acaba expulsando os alunos da escola pública dos níveis superiores de formação, uma vez que não os forma e não os prepara para acessar e permanecer na universidade.

Como podem “itinerários formativos” com propostas de disciplinas eletivas como: empreendedorismo, dinheiro, projeto de vida, ensino religioso, como fazer brigadeiro etc, ou seja, como pode um currículo completamente esvaziado de conteúdos tecno/sócio científicos, oferecer uma preparação para a universidade ou mesmo para um trabalho qualificado?

Do ponto de vista da organização do trabalho na escola, os itinerários de formação aparecem como uma solução “mágica”, pois o os professores podem completar a carga horária em uma mesma escola oferecendo disciplinas eletivas desses itinerários, que podem chegar a cifra exorbitante de 1526 na rede estadual. Os itinerários são uma solução também para o déficit crônico de professores da rede pública de disciplinas formais tradicionais principalmente de  física e química.

Breve  cronologia das reformas 2012 – 2017

  • A reforma do ensino básico “passa” rapidamente em 2018; é aprovada sem incorporar as críticas feitas em audiências públicas. A partir de 2018 a proposta deveria ser debatida com a base, com as escolas e faculdades de Educação. Entretanto, infelizmente o pacto federativo não aconteceu. O que se viu foi a recomposição do Conselho Nacional de Educação e da revisão do PNE. A Portaria 521 não foi revogada, o “debate”, ou melhor, a disputa está na ordem do dia.
  • Portaria 399. A falsa ideia de participação popular nas decisões. Um calendário aprovado a toque de caixa impede o aprofundamento dos debates. Quanto às alterações curriculares, a reforma propõe uma profunda modificação da LDB, maquiada de autonomia e liberdade de escolha e decisão dos alunos e professores.

A educação pública jogada às feras…

  • A política de convênios com entidades privadas vem se estendendo a todos os níveis da educação no Brasil há várias décadas.
  • “sobralização” da Educação Brasileira está em curso e a passos largos. Ao menos 30% dos mandatários do MEC são do Ceará. “O fetiche de Sobral” se baseia na receita do sucesso  da educação daquele estado, após a gestão de 8 anos de Camilo Santana, atual ministro da Educação.
  • Docentes das faculdades de educação e da rede estadual do Ceará denunciam que as escolas foram tomadas pela iniciativa privada. Há em curso um movimento de desmonte da educação no estado pela base: entidades como  Instituto Natura, Instituto Ayrton Senna, Banco Itaú, Fundação Lemann etc encamparam escolas públicas, controlam a execução da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a formação de professores. A Fundação Lemann, na linha de frente, já fornece planejamento e plano de aula/ planejamento “gratuito” e todo o material é disponibilizado on-line.

A reforma do ensino médio é um tema de TODA a universidade

  • O dilema que irá se colocar muito em breve para as universidades é: as licenciaturas deverão seguir as novas  bases curriculares! O tsunami chegará de várias formas e em várias etapas à Universidade
  • O que representa a BNCF (Base Nacional Comum da Formação Continuada de Professores da Educação Básica elaborado pelo CNE)?
  • A desqualificação da docência – os professores passam a ser “profissionais do ensino”. O ovo da serpente, o “laboratório” da BNCF foi a formação dos professores e os processos de avaliação implementados – SARESP –  no estado de SP. As diretrizes paulistas são o esteio da reforma nacional e foram construídas ao longo das seguidas gestões do PSDB.

O projeto do Capital não é emancipatório

  • O ANDES – Sindicato Nacional alerta para a necessidade urgente de se promover uma discussão profunda sobre o ensino médio nas seções sindicais.
  • As universidades e os sindicatos de professores  precisam comunicar-se  com a sociedade e transmitir a ela a concepção de educação emancipatória das universidades públicas e o papel/a importância da docência; denunciar o esvaziamento do perfil crítico proposto pela reforma; a imposição do perfil produtivista – individualista- pautado no ranqueamento e no financiamento por mérito.
  • Nunca houve uma política pública de Estado de Educação Popular no Brasil. Desafios para os professores:

1)   Dialogar com a nova geração dos colegas

2)   Lidar com perfil dos alunos de graduação – ambos segmentos são “filhos” das distorções da pedagogia construtivista

Posicionamento do ANDES-Sindicato Nacional:

  • Pela Revogação imediata e completa do NEM.
  • Contra a parceria público privada na educação.
  • Contra as políticas de metas de produtividade que dividem a categoria com prêmios e bônus; pela valorização dos professores através de política salarial.
  • Contrários à contra reforma da formação de professores.

Texto com base no relatório produzido pela Professora Regina C. da Silva (CEL/Unicamp), Diretora de Imprensa da ADunicamp, que participou do evento representando a entidade.


1 Comentários

Luciano

Excelente reflexão, se houver materiais,artigos sobre esse processo de “ sobralização “ da educação brasileira me envie via e-mail

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *