ADunicamp na VIII Jornada de Agroecologia: campo e cidade no combate à fome e à pobreza


A ADunicamp, representada pelo seu 2° vice-presidente, professor Luciano Pereira (FE), participa desde o dia 29 de janeiro da VIII Jornada de Agroecologia da Bahia, evento criado e coordenado pela Teia dos Povos, e que nesta edição tem como tema “Aliança campo e cidade para o combate à fome e à pobreza” e pela primeira é realizado em Salvador, a capital baiana, e se encerra no domingo, 2 de fevereiro.

Com uma ampla programação que inclui desde rodas de conversa, encontros, debates e manifestações artísticas até a apresentação de teses e trabalhos acadêmicos voltados para o tema, essa VIII Jornada reúne mais de duas mil pessoas. “Estão aqui, neste momento, povos e pessoas de todo o Brasil, vindas de quilombos, de aldeias indígenas, como os maxakali, tupinambás, pataxós e pancarás, além de pescadores artesanais e representantes de movimentos urbanos, sobretudo das quebradas de Salvador. E com a presença marcante da juventude de várias universidades do país”, relata o professor Luciano.

As chamadas Malocas de Saberes, rodas de conversa separadas por temas, ocupam ao longo dos dias os mais diversos cenários do evento. Esses encontros, explica a organização da Jornada, buscam congregar os variados povos “reunindo o campo e a cidade em confluências”, para compartilhar experiências comunitárias, trocar conhecimentos e tecer estratégias para composição da luta. Os diálogos são amplos: Terra e Território, saúde, agroecologia popular, educação e outros temas como arte.

As jornadas de agroecologia que acontecem na Bahia e também em outros estados brasileiros, organizadas pela Teia dos Povos, tem como um dos focos centrais a união das organizações populares e dos povos indígenas e quilombolas na luta pela construção e preservação de seus territórios.

“São lutas essenciais neste momento dramático de mutação climática. E, não por acaso, não estaria aí a solução para esse desafio enorme que a humanidade e as demais espécies que coabitam conosco enfrentam hoje? Ou seja, os povos levantando florestas, indo para as várias regiões do Brasil para produzir comida, água e biodiversidade. Resfriar esse planeta novamente e consertar o erro que o capitalismo provocou com a emissão, há já três séculos, de combustíveis fósseis”, avalia Luciano.

A TEIA DOS POVOS

A Teia surgiu como um movimento focado essencialmente na área rural, nos territórios quilombolas e indígenas, nos assentamentos e na pequena agricultura. Mas mantem um esforço para ter núcleos nas cidades, principalmente, nas periferias urbanas, tendo em vista uma sinergia de resistências populares.

Um dos fundadores da Teia dos Povos, o líder quilombola Joelson Ferreira, o Mestre Joelson, lembra que a primeira ideia de criar o movimento nasceu durante uma jornada de agroecologia no Paraná. “O intuito inicial era promover jornadas de agroecologia e discutir agroecologia que, há 10 ou 15 anos atrás, era um tema muito novo e não tinha muitos seguidores. Assim, em 2012 fizemos a primeira Jornada de Agroecologia da Bahia, no Assentamento Terra Vista. E lá nós decidimos que não era apenas jornada de agroecologia que a gente deveria fazer todo ano, mas que tínhamos que construir uma articulação dos povos. E assim nasceu a Teia dos Povos”, relata Joelson.

Uma articulação, conta ele, que fosse capaz de unir os povos originários, indígenas, quilombolas, pequenos produtores, povos das periferias e movimentos sociais “numa pauta ampla”. “Uma aliança negra, indígena e popular. Uma aliança não só de palavras e conversas, mas uma aliança em luta”.

Terra e Território – À direita, o representante da ADunicamp na VIII Jornada de Agroecologia, professor Luciano Pereira (FE) e, ao lado, Erahsto Felício, organizador da Teia dos Povos e um dos autores do livro “Por Terra e Território – caminhos da revolução dos povos no Brasil”, que é o programa político da coalizão. 

 

A PROGRAMAÇÃO

Conheça, abaixo, alguns destaques da programação da VII Jornada de Agroecologia da Bahia:

Dia 30- Manhã: Análise de conjuntura: Tecendo a União dos Povos frente ao capitalismo – Caminhos da Aliança Indígena, Preta e Popular.
Tarde: Malocas Saberes (Rodas de Conversas) sobre Terra e Território, Educação, Saúde e Agroecologia Popular.
Noite: Grande Roda das Juventudes do Campo e da Cidade e Cultural dos Povos, liderada pela juventude.

Dia 31 – Manhã: Feira Agroecológica com prosas sobre o combate à fome e à pobreza e apresentação de trabalhos científico-populares.

Tarde: Oficinas práticas e teóricas.

Noite: Grande Roda das Mulheres com mais uma apresentação da Cultural dos Povos, sob a condução das mulheres.

Dia 01 – Manhã: Malocas Saberes (Rodas de Conversas) continuam com debates sobre Terra e Território, Saúde, Educação e Agroecologia Popular.
Tarde: Relatos de experiências, projeções estratégicas e apresentação da Carta da VIII Jornada de Agroecologia da Bahia.
Noite: Feira de Literatura dos Povos, com lançamento de livros e roda de prosa com Mestres e Mestras, encerrando com um Ritual Cultural dos Povos.

Dia 02 – O evento se despede com o Cortejo de Iemanjá e cerimônia de encerramento.

Em todos os dias do evento acontece, simultaneamente às atividades, a Feira dos Povos com venda de produtos, produções e artesanatos e a Feira Literária com um grande acervo de livros relacionado com a luta por terra e território.

 

CARTA DA VIII JORNADA DE AGROECOLOGIA DA BAHIA

Ao final do encontro os participantes aprovaram a Carta VII Jornada de Agroecologia da Bahia, texto que sintetiza os encaminhamentos do evento. Leia abaixo:

Salvador – 2 de fevereiro de 2025

Com as bênçãos de nossas mais velhas e mais velhos

e dos mais velhos do que os nossos mais velhos

Em respeito aos ventos da liberdade,

Em respeito às crianças e a nossa juventude,

Em respeito à força das mulheres,

Em respeito aos povos das periferias das nossas cidades.

Às vésperas do dia de Yemanjá, reunimo-nos no território do Abaeté, em Salvador, capital primeira do Brasil, onde nosso país conquistou sua independência formal por meio da luta popular, em 1823. Lar de grandes rebeliões contra o poder colonizador, como a Revolta dos Búzios, em 1798, a Revolta dos Malês, em 1835, a Greve Negra de 1857 e tantas outras, desde as mais antigas, até as mais recentes, como a Revolta do Buzu, em 2003.

Nosso mote principal, neste encontro, foi a necessidade da criação de uma aliança campo-cidade para o combate à fome e à pobreza. Não podemos, em pleno ano de 2025, continuar jogando a culpa pela fome que ainda persiste em governos passados, seja no plano federal ou estadual. A fome não é uma questão pontual, e sim estrutural. Estratégias políticas que se reduzem a paliativos, por meio da assistência social, podem funcionar temporariamente, mas não enfrentam a grande chaga do país, que é o fato de sermos campeões mundiais de concentração fundiária.  

A persistência da fome num país como o Brasil, um campeão mundial na produção de supostos alimentos – na verdade, commodities para alimentar a especulação financeira – , é um lembrete poderoso de que precisamos discutir de forma muito séria e profunda a necessidade de uma verdadeira democratização do acesso à terra, que contemple, sobretudo, a grande massa negra, indígena e de trabalhadores das periferias das cidades. 

O governo de hoje comemora recordes na criação de empregos e redução da pobreza e da fome, mas não lembra que, sem uma verdadeira mudança no acesso à terra, em pouco tempo, o fascismo pode destruir com facilidade um trabalho de anos. Já vimos esse filme e sabemos que, sem trabalho sério, ele pode se repetir. 

Não podemos permitir que a necessária assistência social no combate à fome se converta em um instrumento de esmorecimento e neutralização das lutas populares por terra e território.

Enquanto não conseguimos enfrentar de forma radical esse tema, o Agro, que é simplesmente o nome mais moderno para o velho latifúndio colonial, continua imperando no país. Em plena crise ambiental e dos preços dos alimentos que vivemos, o governo comemora recordes do Plano Safra, com R$ 400 bilhões destinados aos latifúndios, enquanto a agricultura familiar recebe apenas R$ 76 bilhões. Enquanto sobra dinheiro para o latifúndio, para as emendas do Congresso e para o pagamento de juros, os tecnocratas propõem cortar direitos dos trabalhadores para financiar seus “ajustes fiscais”.

Esse dinheiro não gera apenas supersafras de commodities que vão alimentar a especulação financeira e se tornar ração animal em outros países. Ele também financia a formação das agromilícias que têm atacado de forma violenta nossos territórios, como aconteceu há um ano, quando foi vitimada nossa querida pajé Nega Pataxó, em 21/1/2024.

Esse dinheiro maldito também fomenta a guerra que o Agro vem movendo contra nossos biomas. O fogo que ataca a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal não é só um sintoma do aquecimento global. Os incêndios que queimaram 11 milhões de hectares no país em 2024 são fruto da sanha dos latifundiários e grileiros pela criação de mais e mais fazendas, apenas para gerar mais e mais lucro para seus bolsos, enquanto a situação ambiental para a população se deteriora ano a ano. Eles sufocam cidades inteiras com a fumaça dos incêndios e matam milhões de seres vivos queimados, como se viu no Pantanal, porque sabem que, em poucos anos, irão conseguir farto financiamento público para continuar expandindo seus negócios.

Urge que o desequilíbrio da natureza, provocado pelos abusos do Capital nos últimos dois séculos da Era Industrial, seja alvo de nossa atenção. Enquanto vastas áreas pegam fogo, pesadas chuvas podem arrasar estados inteiros. Recebemos os relatos de nossos irmãos vindos de localidades atingidas por desastres recentes, como as tempestades no Rio Grande do Sul. Percebemos que essa nova realidade, da intensificação dos eventos extremos, traz grandes ameaças e desafios às comunidades, e somente com um meticuloso trabalho de preparação e prevenção, poderemos minimizar parte dos problemas nessa nova era. É mais uma situação que evidencia a urgência da agroecologia!

Vivemos tempos em que respiramos aliviados por termos momentaneamente vencido o fascismo nas urnas, mas as grandes dificuldades persistem, não podemos nos iludir. Seguimos indignados com a negligência dos ditos governos populares, que não têm enfrentado o fascismo com a devida firmeza, mantendo a população despolitizada e evitando fazer frente aos ataques descarados das milícias aos movimentos sociais. Para piorar, ainda há vezes em que órgãos públicos que deveriam dedicar-se a defender nosso meio ambiente resolvem atacar nossos povos, como se viu recentemente na Chapada Diamantina.

Mirando o cenário internacional, percebemos que o mundo parece caminhar rumo a conflitos muito graves, com a rápida ascensão de extremismos de direita nos países do Norte global, como ocorria 100 anos atrás. Cada vez mais, os donos do capital parecem ter perdido todos os pudores, utilizando os jogos mais sujos para apropriar-se dos aparatos estatais por meio de seus representantes. As instituições da democracia representativa mostram-se incapazes de barrar essa ascensão da extrema direita. Mais do que nunca, o povo precisa organizar-se para enfrentar essa ameaça.

É importante lembrar que tal ameaça está, hoje, dentro de nossas casas, porque os bilionários responsáveis pelas empresas que dominam a internet estão, cada vez mais, demonstrando estreito alinhamento com o fascismo. 

Os bilionários das big techs e suas tecnologias de ponta, no fundo, estão alinhados com as velhas atividades coloniais de exploração: para fabricar celulares ou carros elétricos, precisam dominar os territórios das populações tradicionais ao redor do mundo para extrair minerais raros. Nossos companheiros da Teia de Minas Gerais já nos dão notícia dos conflitos que se avizinham no Vale do Jequitinhonha, que o governo do estado já quer chamar de Vale do Lítio. No Congo, essa sanha pelos minérios alimentou um grave genocídio nas últimas décadas. Tudo isso serve para alertar-nos do seguinte: a falsa sustentabilidade proposta pelo Capital pode servir como desculpa para perpetuar  velhos ataques a nossos territórios.

Assim, frente aos desafios globais e às catástrofes climáticas, encaramos o desafio de aprofundarmos nossa articulação. Precisamos atingir um estágio superior de auto-organização, para além dos limites impostos pelo Estado e o Capital. Temos de encarar a necessidade de um salto qualitativo em nossa organicidade como Teias. O conflito que está por vir não poderá ser vencido sem uma capacidade superior de disciplina e realização. 

Neste momento, ainda, nos perguntamos: como poderemos ampliar os laços com os bairros populares e periféricos das grandes cidades, quando nossos irmãos trabalhadores urbanos continuam aprisionados em seus cotidianos com seus empregos – muitas vezes com jornadas degradantes como a conhecida 6 x 1 ou em trabalhos precários, geridos pelas plataformas criadas pelas big techs? Esse é outro desafio que detectamos nesta Jornada e para o qual ainda não temos resposta.

Também reforçamos esta convicção: nossa ancestralidade, nossas cosmovisões precisam fortalecer nossa combatividade. Devemos inspirar-nos nos antigos profetas karaíba dos Tupi, que peregrinavam de aldeia em aldeia, mobilizando a população contra a igreja e o Estado colonial, da mesma forma como fazem, ainda hoje, os rezadores guarani, convocando seu povo para retomar suas terras ancestrais. A espiritualidade deve estar a serviço da luta pela terra! Inspiremo-nos na Confederação dos Kariri, na Confederação dos Tamoios, na Revolta dos Malês, em Palmares, Canudos, em Contestado e tantos outros movimentos em que as lideranças espirituais foram pilares da resistência.

Enquanto realizamos todas essas reflexões, nossa articulação não deixa de seguir ampliando-se. Tivemos nesta Jornada um bom número de companheiros vindos de lugares tão diversos como Venezuela, Espanha e México. Além das visitas da mais nova Teia dos Povos, de Mato Grosso do Sul, recebemos na Jornada as Teias surgidas nos últimos anos, como Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás e São Paulo. Destacamos, ainda, a visita de nossa coirmã, a Teia dos Povos do Maranhão.

Nossa tradicional Feira Agroecológica dos Povos continua firme, e realizamos pela primeira vez uma Feira Literária e uma Mostra Audiovisual dos Povos, demonstrando que, além de alimentar o corpo, nossas produções também podem alimentar espíritos. Além disso, nossa presença em Salvador viabilizou importantes trocas com o setor cultural. Tivemos a visita de vários artistas que nos inspiram, inclusive alguns que são verdadeiros ancestrais vivos, que seguem iluminando nossos caminhos, como Mateus Aleluia e o Mestre Bule-Bule.

Além de seguirmos com nossas reflexões sobre temas como agroecologia e educação, também continuamos avançando rumo à criação de uma rede de saúde da Teia dos Povos. É uma ação que nasce da escuta e da prática territorial, profunda e ancestral dos povos da Teia desde a sua origem.  Estamos no caminho de fortalecer nossas mais velhas e a juventude que tem se disposto a construir os cuidados na luta em defesa por terra e território.

Com a força da população desta cidade que sediou tantas revoltas populares, seguiremos com o compromisso de preparar nossa articulação para a Tormenta que se aproxima, buscando a unidade dos povos em luta. 

Essa é a Palavra da Teia dos Povos da Bahia.

Em memória de 

Nêga Pataxó

Sálvio de Oliveira

e dos milhares de mártires palestinos

A luta continua, e a vitória é certa!

(A Carta está disponibilizada também na internet, em: https://teiadospovos.org/carta-da-viii-jornada-de-agroecologia-da-bahia/)


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