Comportamento antiético vs. ilícito: breve reflexão conceitual [Texto de opinião]


[box type=”info”]Divulgado por solicitação do Prof. Paulo Oliveira (CEL), na condição de sindicalizado. O conteúdo do texto não reflete necessariamente a posição oficial da ADunicamp, nem de qualquer outra instância da entidade (Assembleia Geral, Conselho de Representantes e Diretoria). Toda e qualquer responsabilidade por afirmações e juízos emitidos cabe unicamente ao autor do texto.[/box]
Num momento em que a movimentação envolvendo as eleições para a Diretoria e o Conselho de Representantes (CR) da ADunicamp no mandato 2018-2020 toma forma concreta e declaradamente pública, têm chegado a mim diversas manifestações no sentido de que usar instrumentos institucionais da Unicamp para fazer campanha na ADunicamp seria antiético. O objeto concreto dessas manifestações é o uso que foi feito de ferramentas do CCUEC para fazer “enquetes”, anteriores à abertura do período eleitoral na ADunicamp, e sem explicitar que os resultados serviriam para fazer campanha para cargos da entidade sindical. Por mais que estejam claros os motivos da avaliação de que tal comportamento é antiético, com a qual concordo, entendo que ela não dá conta de toda a extensão do problema que, num certo ponto, adentra pelo terreno do ilícito.
Ainda que possa ter implicações corporativas, como no caso da ética de pesquisa, dos códigos de conduta etc. (deontologia profissional), a ética tem sobretudo uma dimensão interna, que diz respeito aos valores que o indivíduo assume como seus, os limites que não está dispost* a ultrapassar. É isso o que justifica, por exemplo, a desobediência civil, a recusa a prestar o serviço militar, a trabalhar em dias considerados sagrados, a vacinar os filhos ou fazer transfusão de sangue, dentre outros. Nesses casos, quem adota uma atitude de fazer ou deixar de fazer algo a despeito de regras ou normas que digam o contrário, assume os riscos daí decorrentes. E o faz porque seu íntimo diz que não pode agir diferentemente. É só no momento em que determinadas atitudes ou comportamentos ultrapassam a alçada do indivíduo que o conceito de ética sai de uma esfera ao mesmo tempo pessoal e abstrata, como no imperativo categórico de Kant ou na regra de ouro de Darwin, dentre outros, para operar na concretude deontológica das regras de conduta que traduzem a dimensão normativa do coletivo, o qual decide o que pode ou não pode ser feito e aplica, se for o caso, as devidas sanções – nos termos de regras mais gerais ou internas a determinada comunidade.
Usar ferramentas operacionais de uma organização qualquer para interferir na disputa pela representação sindical de uma categoria de trabalhadores dessa mesma organização significa trazer elementos externos para uma disputa interna, e isso certamente pode ser considerado antiético – notadamente se não puder ser caracterizado como estratégia de resistência a atitudes antidemocráticas da própria representação sindical.
Nesse último caso, hipotético, caberia explicitar em que medida e de que forma concreta a própria organização sindical estaria limitando o debate democrático interno. No caso em tela, não consta que quem fez uso das ferramentas do CCUEC para fazer (pré-) campanha na ADunicamp tenha como apontar um cerceamento sequer do debate, do acesso a informações relevantes (e que possam/devam ser tornadas públicas) etc. – até porque esses recursos institucionais da Unicamp foram usados antes do período eleitoral propriamente dito, antes que a Comissão Eleitoral pudesse esclarecer eventuais dúvidas ou dirimir ambiguidades nas regras estabelecidas pelos estatutos da ADunicamp. Antes do início do jogo, enfim. Portanto, não poderia haver cerceamento do debate, se o debate ainda não estava posto. E – na ADunicamp – não tem havido cerceamento do debate em nenhuma outra questão. Quem quiser afirmar o contrário, tem também de prová-lo.
Mas retomemos a questão conceitual, que é o que nos interessa aqui: se o uso de ferramentas operacionais de uma organização qualquer visando interferir na vida da representação legal de seus trabalhadores for feito ou incentivado pela esfera executiva dessa organização, tem-se uma tentativa de instrumentalização do sindicato – pela empresa, no caso da iniciativa privada. Isso não é incomum. É daí também que vem a expressão “sindicato pelego”, cunhada na era Vargas, para referir-se à relação de subordinação dos sindicatos a instâncias governamentais.
No caso de instituições públicas, a questão se complica um pouco mais, porque a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu Artigo 37, consagrou o princípio da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” no trato da coisa pública (cf., dentre outros: https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/1262/poderes-basilares-administracao-publica-art-37-constituicao-federal). Ora, se alguém, ou um grupo de pessoas, usa uma ferramenta acadêmica da Unicamp para fazer campanha eleitoral na ADunicamp, há duas hipóteses plausíveis: 1) esse uso foi feito sob estrita responsabilidade de quem lançou mão de ferramenta institucional para fins particulares; 2) esse uso foi feito com a conivência de esfera(s) administrativa(s) da Unicamp.
Na primeira hipótese, trata-se não apenas de comportamento antiético, mas também de ilícito, nos termos do que estipula o Artigo 37 da Constituição Federal de 1988 (pobre Constituição, tão maltratada nos últimos tempos!). É sabido que a Unicamp, em consonância com esse princípio constitucional, faz uma série de restrições à utilização não só de suas ferramentas, mas até mesmo de seus símbolos, como logotipo, para fins particulares. Caberia então às esferas competentes da Universidade averiguar as responsabilidades por eventual uso indevido e aplicar as devidas penalidades, se for o caso.
Na segunda hipótese, tratar-se-ia de interferência direta da Administração da Unicamp na vida da ADunicamp. Seria mais grave ainda, por atentar frontalmente contra o princípio da autonomia sindical, de fundamental importância para salvaguardar o Estado de Direito (pobre Estado de Direito, tão atacado nos últimos tempos!). Afinal, há uma série de situações em que os interesses da Administração da Unicamp podem conflitar com os interesses d*s docentes representad*s na ADunicamp – no tocante a condições de trabalho, carreira, remuneração etc. A ADunicamp não é um órgão da Universidade, mas sim uma representação sindical. Nessa relação, há potencial para confronto e/ou colaboração. Mas em hipótese alguma a relação pode ser de subordinação. É também por isso que os canais institucionais da Universidade não são um instrumento adequado para encaminhar questões da associação de docentes. Sem prejuízo de tudo o que foi dito acima.
Estarei eu errado em algum aspecto, ou no todo da exposição? Talvez. Se assim for, entendo que o correto seria apontar eventuais erros através de argumentos racionais, com encadeamento de razões, e não pela via das acusações ad hominem, como sói acontecer no contexto em tela. Afinal, o que se propõe é uma reflexão conceitual, que prescinde, em tese, de autoria. Mesmo em sendo este um texto de opinião – racional.
Paulo Oliveira | CEL/Unicamp


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