VII Jornada de Agroecologia reúne centenas de entidades em defesa de territórios e do debate socioambiental


Na beira de uma praia sem ondas, porto de pescadores e pescadoras quilombolas, centenas de lideranças de movimentos sociais discutiram propostas, rumos e ações para fortalecer a solidariedade e a mobilização conjunta das lutas dos movimentos, povos e comunidades das diferentes regiões do país. Os debates, acompanhados por mais de mil pessoas vindas de vários cantos do Brasil, ocorreram entre os dias 31 de janeiro e 3 de fevereiro durante a VII Jornada de Agroecologia da Bahia, na Comunidade Quilombola e Pesqueira Conceição de Salinas, no município de Salinas da Margarida, num ponto remoto da Baia de Todos os Santos.

As jornadas, que chegaram agora à sua sétima edição, são organizadas pela Teia dos Povos, com a colaboração e apoio do Fórum Popular da Natureza, movimentos que reúnem comunidades de territórios indígenas, quilombolas, de pequenos agricultores e outras organizações políticas rurais e urbanas.

A proposta da Teia, criada em 2014, assim como a do Fórum – que foi fundado cinco anos depois na ADunicamp -, é fomentar uma rede de solidariedade e de apoios conjuntos entre os diferentes movimentos populares que atuam no país. “As lutas territoriais ou de determinadas categorias muitas vezes são específicas. E a Teia não interfere nisso. Trabalhamos para unir forças que venham de todos os lados, para incluir a comunidade e as diferentes forças de apoio. Trocar experiências”, relata o líder quilombola Joelson Ferreira, o Mestre Joelson, um dos principais organizadores da Teia dos Povos e das jornadas.

Para o Cacique Juvenal Teodoro Payayá, da etnia Payayá, integrante da Teia e do Fórum, e um dos principais organizadores da VI Jornada ocorrida em 2019 no seu território, na Chapada Diamantina, os dois movimentos têm também a missão de “dar outra visibilidade aos trabalhos de formiguinhas” que ocorrem em diferentes regiões do país de forma isolada.

“Temos essa missão de dar visibilidade, de agigantar os extensos trabalhos que são feitos, não só nas lutas travadas em defesa dos povos, mas também em ações essenciais e exemplares como limpeza das águas e da terra, o exercício da agroecologia, a produção de comidas e sementes limpas em nossos territórios”, pontua o cacique.

Três mil territórios vivem em situação de conflito

Dados apresentados pelo Instituto de Geografia da UFBA (Universidade Federal da Bahia) durante a VII Jornada de Agroecologia da Bahia mostram que só naquele Estado existem cerca de três mil territórios que enfrentam conflitos de alguma natureza, como vizinhos, grandes proprietários e governos.

A decisão de realizar a VII Jornada no quilombo de Conceição de Salinas, na cidade de Salinas da Margarida, também foi tomada para dar visibilidade nacional aos conflitos em curso ali, uma vez que indústrias e grandes proprietários questionam a posse centenária do território pelos quilombolas. De acordo com estudos realizados pelo Instituto de Geografia da UFBA, os registros históricos mostram que as famílias estão “no território entre oito e nove gerações”, há mais de 300 anos.

“Apesar do direito à terra e ao seu modo de vida, a comunidade enfrenta processos de usurpação do seu território e de violação de direitos, desde a instalação de empresas voltadas ao cultivo do camarão até a instalação de parques imobiliários, além de perseguições políticas de diversas naturezas”, apontou o Instituto em suas apresentações durante a jornada.

 Mais de 160 mil pescadores

O caso de Salinas é exemplar, mas não é único. Números do início de 2023 mostram que existem mais de 160 mil pescadores artesanais na Bahia, espalhados por 222 municípios. A grande maioria habita nas 600 comunidades tradicionais pesqueiras, litorâneas ou ribeirinhas, instaladas em 124 municípios. E os números ainda podem ser bem maiores, pois existem muitas ainda não identificadas.

E, ainda segundo o Instituto, “empresas privadas (nacionais e internacionais) e/ou particulares têm degradado e ocupado os espaços de vida dessas comunidades num ritmo cada vez mais crescente, em uma lógica de apropriação da natureza que se distingue das comunidades pesqueiras”.

Conflitos territoriais semelhantes se multiplicam por todo o Brasil, como foi exposto de forma dramática ao mundo no caso Yanomami. Mas a grande maioria deles, lembrou o líder quilombola Joelson Ferreira, o Mestre Joelson, um dos principais organizadores das jornadas, não têm visibilidade alguma e nem condições reais de enfrentamento aos agressores. “Daí a importância de ações como as jornadas e outros eventos e mobilizações da Teia dos Povos e do Fórum Popular da Natureza, que têm o objetivo de unir essas lutas semelhantes”, defende o Cacique Payayá.

Nessa direção, muitos relatos foram apresentados durante a VII Jornada e, a partir deles, adotadas ações. Um dos casos foi apresentado por Welington Quilombola e Laine Quilombola, moradores do Território Quilombola Brejão dos Negros e representantes do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe.

Lá, o governador Fábio Mitidiere (PSD) tem questionado publicamente a aprovação dos zoneamentos ecológicos-econômicos da costa, que garantiram a demarcação recente de quatro comunidades quilombolas. Segundo o governador, a preservação dos quilombos vai “trazer desequilíbrio econômico” para o Estado.

“É um tremendo absurdo. Nossos territórios são produtivos, preservados oferecem alimentos para milhares de pessoas”, afirmou Laine, que trabalha como marisqueira e pescadora, como centenas de outras mulheres nos territórios quilombolas. Wellington relatou que os territórios já têm sido sistematicamente atacados e invadidos por empreendimentos imobiliários e indústrias pesqueiras.

O papel dos grandes proprietários de terras, apontados sempre como pontas de lança na maioria das invasões, foi relatado por integrantes das “famílias geraizeiras”, como são chamadas as comunidades tradicionais na região do Cerrado, do município de Formosa do Rio Preto, no sertão baiano.

As terras, com posses ancestrais das Famílias Geraizeiras de São Marcelo, localizadas entre os rios Preto e Sapão, no extremo oeste baiano, quase divisa com Tocantins, foram fortemente griladas pela empresa Canabrava Agropecuária. Há relatos e investigações em curso de casos de ataques a moradores, incluindo mulheres e crianças, com tiros de pistola.

A Canabrava é apontada no Livro Branco da Grilagem de Terras no Brasil, publicado pelo Incra, como proprietária de um dos maiores imóveis de terras griladas no Brasil. E a sua invasão sobre as terras da região de Formosa do Rio Preto deu início a uma devastação sem precedentes na mata de Cerrado da região.

Ações

No caso dos quilombos de Sergipe, a VII Jornada aprovou, em sua plenária final, uma vigorosa nota de repúdio contra as invasões e contra os pronunciamentos do governador Mitidiere.

A nota deu origem a um abaixo-assinado, que começou a correr entre participantes da VII Jornada e militantes de entidades da sociedade civil e deverá agregar signatários de todo Brasil. O documento será protocolado em instâncias oficiais, do Governo Federal e da Justiça, e divulgado da forma mais ampla possível.

“Tornar a nossa luta conhecida pelo Brasil também é uma forma de defesa. Se ninguém sabe de nada, eles agem do jeito que querem. Acham que estão impunes”, argumenta Welington Quilombola.

No caso dos quilombolas do Brejão já está em curso uma ação de manutenção de posse, com apoio de entidades da sociedade civil e da Teia dos Povos, para a recuperação das terras griladas.

“A nossa luta hoje é pela recuperação e manutenção de nossos territórios”, sentencia Mestre Joelson.

ADunicamp marca presença

A ADunicamp, que integra a  direção nacional do Fórum Popular da Natureza, participou da VII Jornada da Agroecologia da Bahia, representada pela Diretora de Comunicação da entidade, Professora Regina Célia da Silva (CEL). Esta é a primeira participação da ADunicamp, que tem como uma de suas principais bandeiras para 2023 o engajamento da entidade nas questões que envolvem o meio ambiente.

“A comunidade universitária precisa urgentemente se engajar na busca de respostas às questões socioambientais. O momento exige de nós a coragem de eleger essa pauta como prioridade. A defesa da vida e do bem viver ao qual todos têm direito. É preciso defender a nossa ‘casa comum’, pensando globalmente e agindo localmente. A nossa participação nesse grande encontro da Teia do Povos faz parte de um conjunto de ações que a ADunicamp pretende realizar no âmbito da educação ambiental e da defesa concreta do meio ambiente. A ADunicamp Sempre Viva elegeu esse mote: cuidar das pessoas e do meio”, afirma a professora Regina.

Fotos

 

Esta é a primeira matéria sobre a Jornada, organizada pela a Teia dos Povos com colaboração do Fórum Popular da Natureza que a ADunicamp começa a publicar a partir de hoje, dia 17 de fevereiro de 2023.


5 Comentários

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ADunicamp

[…] – VII Jornada de Agroecologia reúne centenas de entidades em defesa de territórios e do debate socio… […]

ADunicamp

[…] Esta é a terceira matéria de uma série produzida pela ADunicamp, que esteve presente na VII Jornada de Agroecologia da Bahia. A primeira foi sobre a participação de centenas de lideranças de movimentos sociais, que discutiram propostas, rumos e ações para fortalecer a solidariedade e a mobilização conjunta das lutas dos movimentos, povos e comunidades das diferentes regiões do país (acesse aqui para ler). […]

ADunicamp

[…] Esta é a segunda matéria de uma série produzida pela ADunicamp, que esteve presente na VII Jornada de Agroecologia da Bahia. A primeira foi sobre a participação de centenas de lideranças de movimentos sociais, que discutiram propostas, rumos e ações para fortalecer a solidariedade e a mobilização conjunta das lutas dos movimentos, povos e comunidades das diferentes regiões do país. Acesse aqui para ler. […]

Elisa

Maravilha ! Gratidão pela colaboração, apoio e crescimentos.o FPN -Sampa agrafece

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