Manifesto pelas línguas na Unicamp


Por Profa. Regina Celia da Silva (CEL/Unicamp)

O ensino da língua italiana na Unicamp muito provavelmente irá se encerrar com a minha aposentadoria. Falo portanto na condição de um animal em extinção como as ariranhas e as jacutingas. Provavelmente não farei falta alguma diante das escolhas que esta instituição tem feito lamentavelmente por comissão ou por omissão no âmbito das políticas linguísticas (ou da falta delas).

A situação da área é crítica e é a seguinte: minha colega se aposentou há quatro anos e não foi feito concurso. Entretanto, o risco de extinção não é privilégio do italiano. Em situação análoga se encontra a área de espanhol. O CEL tem déficit crônico na contratação de professores em TODAS as áreas.

Paradoxalmente, é notório o interesse da comunidade de alunos e professores da Unicamp pelas línguas simplesmente porque a ciência e a transmissão do conhecimento dependem delas.

Um exemplo desse interesse por línguas: propusemos através do nosso sindicato (a ADunicamp) a abertura de cursos de italiano para professores associados. No princípio do ano, oferecemos inicialmente 15 vagas; como houve muita procura, tivemos que dobrar a oferta, abrindo duas turmas. Neste semestre a demanda dobrou e vamos oferecer 4 turmas de 60 alunos, que são professores desta universidade, provenientes de várias áreas.

Na condição de professora do CEL, decidi aceitar neste semestre TODOS os alunos que procuraram pelos cursos de italiano no Centro de Ensino de Línguas (CEL). Quem sabe assim a demanda por línguas nesta universidade se torne visível.

Portanto, atualmente tenho 173 alunos de graduação inscritos em 5 turmas nos turnos diurno e noturno; as aulas têm sido ministradas no CB – duas delas com 71 e 52 alunos ; além desses alunos atendo a uma turma de 22 professores da rede pública na Extensão.

Se existe por parte da comunidade um interesse concreto por outras línguas que não apenas o inglês, por que esse interesse não se traduz em política linguística? Por que a demanda por um ensino plurilíngue é invisibilizada?

Eu me cansei de negar pedidos de matrículas e ser cúmplice de uma conjuntura que trata com descaso os alunos – nosso maior patrimônio – e o ensino de línguas. Ao longo desses anos, para mim é sempre uma enorme frustração recusar tantos alunos, inclusive – e sobretudo – aqueles que fazem uma escolha não compulsória de estudar uma língua “inútil” como é o italiano. Normalmente são os que têm melhores resultados, não só do ponto de vista acadêmico. Eu acredito realmente que quando as pessoas aprendem sobre outras línguas e culturas se tornam melhores. Não defendo portanto apenas o italiano, embora a italofonia seja sem dúvida um amplo e maravilhoso campo para experiências de alteridade.

A comunidade universitária precisaria se solidarizar no sentido de manter vivo e ativo o principal instrumento de transmissão de conhecimento. A internacionalização e a ciência não se fazem apenas com o inglês. Somos um país, um continente, um mundo multiétnico nos quais TODAS as línguas são igualmente importantes. No caso do italiano, justamente o Estado mais rico economicamente do País e que se orgulha de ter 25% da população de origem italiana, não defende nem difunde seu patrimônio linguístico e cultural.

É um enorme equívoco histórico achar que o mundo caminha para o monolinguismo, mesmo se nos ativermos apenas no campo científico e tecnológico (vejam a título de curiosidade que mesmo a internacionalização tão alardeada é plurilíngue, por isso a necessidade de defender “i nostri volgari” – português, italiano e espanhol. Imaginem que as comunidades hispanófona, italófona e lusófona reúnem cerca de um bilhão de pessoas (aproximadamente 250 milhões de falantes de italiano, 258 milhões de português, 472 milhões de espanhol).

Internamente não há perspectiva de uma política voltada de fato para uma educação plurilingue e para plurilinguismo embora esse seja um importante tema de pesquisa nesta universidade, como no resto do mundo. Infelizmente não há uma AÇÃO pelo plurilinguismo que não fique ou no campo da teoria ou da precarização e da comercialização do ensino de línguas.

Quando julgam ser necessário cortar algo para atender a um certo “mercado” (com uma visão distorcida do que é o mercado, inclusive), as primeiras a serem eliminadas são as humanidades e as línguas. Vejo com perplexidade como não há uma insurgência em defesa das nossas línguas, inclusive as indígenas, que compõem a nossa comunidade acadêmica e que, portanto, poderíamos e deveríamos também aprender e ensinar.

Divulgação realizada por solicitação da professora Silvia Gatti, na condição de sindicalizada à ADunicamp. As opiniões expressas nos textos assinados são de total responsabilidade do(a)s autore(a)s e não refletem necessariamente a posição oficial da ADunicamp, nem de qualquer uma de suas instâncias (Assembleia Geral, Conselho de Representantes e Diretoria).


14 Comentários

Cecilia Casini

Compartilho totalmente a apoio as palavras da prof.a. Regina. E’ triste ver como se desconhece e não se dá valor, por parte de quem ‘toma as decisões’ , ao ensino das línguas em âmbito universitário, espaço público precioso e para proteger. Especificamente ao italiano, língua e cultura tão rica é importante na história do Brasil. E’ triste!

Patrícia Bertozzo

Fui aluna da professora Regina durante 4 semestres na graduação. Graças ao aprendizado da língua pude expandir meu mestrado. O ensino de línguas no CEL é fundamental para a comunidade acadêmica!

Diego Baffi

Fui aluno da professora Regina Célia Silva em seu ingresso na Unicamp e tive a oportunidade de fazer com ela todos os níveis para o italiano oferecidos no CEL o que não apenas me tornou um acadêmico e um profissional melhor, mas uma pessoa mais aberta à alteridade e mais consciente da multidirecionalidade da construção do conhecimento. Suas aulas me fizeram desejar uma formação internacional e me permitiram construir a possibilidade da continuidade de meu percurso acadêmico em um contexto não-lusófono - o que efetivamente se deu há alguns anos quando estudei a estrangeiridade e o intercâmbio cultural. É neste sentido que afirmo que ver a perspectiva do catastrófico distanciamento da formação plurilinguísta por parte da instituição me parece revelar um enorme descaso institucional com a formação acadêmica e também humana de seu corpo docente, discente e da comunidade externa. Isso precisa ser revertido! Que sua voz (que é a nossa voz, de todas as pessoas que foram beneficiadas por suas aulas e pelas aulas dadas no CEL) seja ouvida e que possamos reorientar esse movimento não apenas no sentido do restabelecimento do corpo docente do Centro, mas pela contínua ampliação das línguas a serem ouvidas, lidas, ensinadas e reverberadas em nosso ensino superior! A luta continua!

Silvia Castro

Regina, dicen que "las palabras se las lleva el viento", sin embargo, cuando ellas son fecundas y fuertes como un grito de denuncia ellas se adhieren a otras voces y en cada eco repiten y esparcen el mensaje. Las tuyas, Regina han de enraizarse y atravesar montes, mares, ríos y desiertos. Que así sea. Gracias por ser tú una paloma mensajera en tiempos de paz y de guerra.

Isabela Sancho

Meu apoio à professora Regina Célia, com quem aprendi muito mais do que a língua italiana - lembro do ciclo de cinema italiano que organizou para nós, das leituras de contos de Natalia Ginzburg, e tantas outras maneiras poéticas, apaixonadas e apaixonantes de transmitir essa cultura. Além dessa sensibilização que carrego para a vida, o aprendizado para a língua me abriu portas para um intercâmbio com bolsa no Politécnico de Milão, em parceria com a Unicamp. Não há mais interesse institucional no estreitamento desses laços entre universidades? Que tristeza se o ensino de línguas também estiver sendo reduzido pelo utilitarismo...

Analice Dias

Possível e necessário!

Matteo Raschietti

brava Regina!!! continua così e in bocca al lupo per tutto

LUCIANE MIRANDA GUERRA

Apoio totalmente. É surpreendente que uma Insituição do porte da Unicamp esteja de tal forma presa a esta unidirecionalidade. Inaceitável!

Ilaria Bisanti

Regina, que texto pungente e verdadeiro! Obrigada por compartilhar!

Maria José Mesquita

Te to muito forte e contundente. Te todo o meu apoio para esta campanha.

Marcelo Biazon

Brava!! No que depender de mim o curso de italiano jamais deixará de ser oferecido aos alunos da Unicamp!

Marcelo Biazon

Bravíssima!

Aldenice De Andrade Couto

Super concordo com a professora Regina Célia.

ADunicamp

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