ENSINO PÚBLICO: DEFENDER ANTES QUE ACABE

As universidades públicas brasileiras vivem hoje o risco de um sucateamento e desmonte sem precedentes na história. O mesmo ocorre com as instituições públicas de pesquisa e o ensino público em todos os níveis.
Esse desmonte da pesquisa e do ensino públicos caminha a par e passo com o projeto também sem precedentes de privatização das companhias e recursos do Estado brasileiro. Um projeto de privatização contestado inclusive por expoentes da defesa do ‘Estado mínimo’ (leia texto neste boletim).
O ataque em curso ao ensino público e à pesquisa pública é um projeto político conduzido a toque de caixa, e sem consulta à sociedade, pelo governo de Michel Temer que, conforme atestam os institutos de pesquisa, é o mais rejeitado pela população na história recente do País.
De acordo com dados recém-divulgados pelo Ministério da Educação e pelo Censo da Educação Superior, o corte de verbas para a manutenção e investimento nas universidades federais – iniciado no final do governo de Dilma Rousseff e fortemente acelerado no governo Temer – chegou a 3,38 bilhões de reais nos últimos três anos. Por outro lado, entre 2006 e 2015, o número de alunos nas federais praticamente dobrou, passando de 589 mil para 1,1 milhão.
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Os cortes nas estaduais, repetidamente apontados e denunciados pelo ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) não são menos dramáticos e vão muito além do emblemático exemplo da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). A crise financeira, decorrente da crise de financiamento, das universidades paulistas tem sido repetidamente denunciada pela ADunicamp e por todas as outras entidades ligadas ao Fórum das Seis (F6).
Para além do impacto negativo nos salários e benefícios de servidores tanto docentes quanto técnico-administrativos, os cortes atingem também o número de bolsas para os alunos e as verbas para manutenção de equipamentos (dentre os quais alguns de valores milionários e quebrados há anos) e mesmo a manutenção e limpeza feita por trabalhadores terceirizados e precarizados que atuam no neste campo (situação que, em si, já é um escândalo).
Recentemente, o ANDES-SN publicou um comunicado sobre os cortes que afetam a área de Ciência e Tecnologia do país, com dados sobre as fortes limitações financeiras que vêm sendo impostas ao setor. As consequências de tais cortes, na avaliação do ANDES-SN, são muito graves e põem em risco todo o complexo público de C&T nacional.
No comunicado, a entidade informa que as “despesas federais com o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações vêm decaindo ano após ano, atingindo limites extremos nos dias atuais, com o iminente risco de suspensão de obrigações assumidas pelo mais importante órgão de fomento à pesquisa vinculado ao Ministério, o CNPq. O ano começou com uma previsão orçamentária de R$ 4,6 bilhões para a pasta e um contingenciamento de 500 milhões, o que implicava num montante para gasto de apenas 4,1 bilhões de reais. Este é o menor volume de recursos destinado ao Ministério desde 2003 (R$ 5,9 bilhões), representando pouco menos da metade dos gastos de 2014 (R$ 8,5 bilhões) e 40% das despesas realizadas em 2010 (R$ 11,5 bilhões) a preços de janeiro de 2017”.
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Já quando se refere ao montante de recursos destinado ao CNPq, o documento informa que, em “preços de janeiro de 2017, as despesas federais com o CNPq foram da ordem de R$ 2,5 bilhões em 2013, caindo para R$ 1,3 bilhão em 2016, com o mesmo valor previsto para 2017. Todavia, o órgão só foi autorizado a gastar 56% deste valor, o que equivale a R$ 730 milhões, montante já quase inteiramente consumido até o presente momento (agosto de 2017)”. Isto explica, por exemplo, a diminuição das bolsas de iniciação científica e tecnológica de 85.139 em 2014 para 54.621 atualmente. Na mesma direção, as bolsas de mestrado e doutorado no país decaíram de 26.573 para 23.312 no mesmo período. Situação mais grave ocorre com os auxílios à pesquisa, que contam hoje com aporte de apenas R$ 15,2 milhões contra os R$ 631,6 milhões gastos em 2014.
A retórica do desmonte busca apoio em setores mal informados da sociedade
O impacto deste desmonte no futuro e na soberania da ciência e da tecnologia nacionais apenas começa a ser discutido de forma mais ampla nas universidades e institutos de pesquisa. Mas o debate encontra ressonância praticamente nula nos amplos setores da sociedade que serão duramente afetados pelo desmonte em curso.
A maioria dos veículos de comunicação, aos quais caberia construir a ponte de debates com o conjunto da sociedade, se omite ou é parcial sobre o tema – por omissão ou opção.
No sentido contrário, forças interessadas e engajadas no projeto de desmonte do ensino, da pesquisa e das instituições e empresas públicas brasileiras mostram-se cada vez mais fortes e organizadas.
Na comunicação com a sociedade, essas forças têm construído pontes que merecem, com urgência, uma análise mais profunda da academia e de todos os que defendem a universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.
A comunicação desses grupos é revestida de um discurso de ódio, geralmente simplório e moralista, contra tudo o que é público ou estatal. Sem qualquer discussão, distinção de questões ou debate amplo.
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Na maioria dos casos, são utilizadas redes sociais para atingir em especial os segmentos menos informados da sociedade. Os agentes do discurso insistem, sempre, em afirmar que atuam em movimentos surgidos espontaneamente, principalmente a partir das manifestações de rua de 2013.
O discurso é sempre fortemente moralista, não sendo difícil uma deliberada atitude em desinformar, ao publicar vídeos e informações duvidosas sem informar quais são suas fontes. Um bom exemplo é o episódio da querela entre o MBL e a Agência Pública: goo.gl/Na9ZDA. Abusa de slogans e conceitos simplistas, disparados em memes pelas redes sociais, com o objetivo principal de provocar impacto em setores menos informados da sociedade. “Combate à corrupção”, “fim das mordomias estatais”, “escola sem partido”, “político é tudo corrupto” etc.
Porém, como veremos neste Informativo ADunicamp, o principal movimento articulador da comunicação desse discurso junto à sociedade está longe de ser espontâneo e é rigorosamente articulado.
Assim, com o objetivo de ampliar e fornecer informações a este debate, a ADunicamp publica o presente Informativo. Trata-se de um material de conteúdo jornalístico, com pesquisa de campo focada em identificar os principais agentes, suas origens e as características do discurso empregado por eles para atacar o ensino, a pesquisa e as instituições públicas.
O principal agente desse discurso na área da comunicação e nas redes sociais, conforme identificou a pesquisa de campo, é o autodenominado MBL (Movimento Brasil Livre). Por isso, é dele que trataremos aqui.
Tendo em vista uma tradição claramente consolidada, reiterada via decisões coletivas de incontáveis assembleias de docentes ao longo da história da entidade, entende-se que a ADunicamp tem o dever de se posicionar em defesa da universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.
Essa posição tem sido defendida pelos últimos reitores da Unicamp e é reiterada pelo atual, Marcelo Knobel, que tem saído em defesa da universidade pública tanto em seus pronunciamentos para o público interno como para o público externo à Universidade. Recente artigo, assinado por ele e pela vice-reitora Teresa Dib Zambon Atvars, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 4 de maio, afirma: “Por isso entendemos que, principalmente neste momento, a sociedade em geral e a comunidade acadêmica em particular precisam defender as bases para uma universidade pública gratuita, de qualidade e com autonomia, que valorize o diálogo e esteja atenta às mudanças de nossos dias. Essa defesa é ainda mais necessária no momento em que as três universidades públicas paulistas (USP, Unicamp e Unesp) atravessam uma crise orçamentária sem precedentes, como decorrência direta do quadro recessivo instalado no País nos últimos três anos”. (https://goo.gl/HXRpCe).
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Publicado originalmente em 17 de novembro de 2017

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