Subfinanciamento das Universidades é raiz do problema, defende presidenta da ADunicamp em audiência sobre autarquização da saúde


A professora Maria Silvia Gatti, presidenta da ADunicamp, destacou que o subfinanciamento crônico das universidades estaduais paulistas é o ponto central do debate sobre a proposta de autarquização da área de saúde da Unicamp, tema discutido na 52ª audiência pública da Câmara de Campinas, realizada na noite de 14 de outubro (assista aqui).

Ao agradecer o convite da vereadora Fernanda Souto (PSOL) e a oportunidade de discutir o assunto fora dos muros da universidade, Silvia afirmou que é essencial ampliar a circulação de informações. “A gente precisa trazer o máximo de informação, não só para a comunidade acadêmica, mas também para os usuários dos nossos espaços em saúde. O processo tem que determinar uma melhoria naquilo que está ruim hoje”, afirmou.

A presidenta da ADunicamp defendeu que, mais do que discutir um novo formato de gestão para o complexo hospitalar — que inclui o HC, o CAISM, o Hemocentro e o Gastrocentro —, é preciso enfrentar o problema de fundo. “Todo esse problema é gerado por um subfinanciamento. É esse o grande problema das universidades estaduais paulistas.”

Histórico e perdas acumuladas

Silvia resgatou a trajetória do financiamento público do ensino superior no estado, lembrando que, após a conquista da autonomia universitária, em 1989, as universidades passaram a depender da cota de 9,57% do ICMS. “Essa é a nossa fatia para dividir entre as três universidades, e a Unicamp recebe a menor parte. O Fórum das Seis propõe há anos o aumento dessa cota, mas essas propostas nunca avançam na Alesp”, afirmou.

Ela também apontou que, enquanto o financiamento estagnou, a estrutura das universidades encolheu. Entre 1995 – ano em que o índice de 9,57% da quota parte do ICMS estadual foi estabelecido – e 2024 a Unicamp perdeu 13% de seu quadro docente e 27% dos servidores técnico-administrativos, ao mesmo tempo em que a terceirização se expandiu. “Na área da saúde, já são mais de duas mil pessoas terceirizadas. Isso muda profundamente a universidade e fragiliza nossa capacidade de oferecer ensino, pesquisa e assistência com qualidade”, alertou.

A presidenta da ADunicamp enfatizou a necessidade de transparência e cautela diante do processo de autarquização proposto pela reitoria. “Precisamos acompanhar de perto a construção da minuta. É nossa responsabilidade informar os docentes sobre o que está sendo feito e quais os impactos para a universidade”, afirmou.

Silvia também manifestou preocupação com o cenário fiscal e político. A reforma tributária em andamento, segundo ela, traz incertezas quanto ao futuro das receitas do ICMS — principal fonte de financiamento das universidades. “Com a Alesp que temos hoje, não há garantias de que o atual nível de financiamento será mantido. Isso torna o momento ainda mais delicado”, alertou.

Reitoria defende mudança

Durante a audiência, o vice-reitor da Unicamp, professor Fernando Coelho, e o diretor executivo da Área da Saúde da Unicamp (DEAS), professor Luís Carlos Zeferino, apresentaram dados sobre a área da saúde da universidade e fizeram um comparativo com outros hospitais universitários que já funcionam como autarquias.

“A Unicamp atende acima da sua capacidade e com recursos bem menores que os de hospitais como os da USP e da Unifesp”, afirmou Coelho. Para ele, o subfinanciamento compromete tanto o atendimento à população quanto a formação dos estudantes da área da saúde.

Coelho destacou, ainda, que a proposta não avançará sem deliberação do Conselho Universitário (Consu). “Nada será feito sem a comunidade. O Consu terá a palavra final”, afirmou, defendendo que, com a criação da autarquia, a Unicamp poderia reorientar recursos hoje comprometidos com o custeio da saúde para novos cursos, vagas e infraestrutura acadêmica.

Zeferino, por sua vez, argumentou que o modelo atual está saturado. “Desde 1985, o HC e o CAISM praticamente não aumentaram o número de leitos, enquanto a demanda regional cresceu enormemente. Repetimos o orçamento ano após ano, sem espaço para expansão”, disse, citando a experiência da Unesp de Botucatu, que teria conseguido ampliar serviços após a criação de sua autarquia.

Professora Silvia Gatti, Presidenta da ADunicamp, durante audiência pública

“Cautela é a palavra”

Apesar das justificativas apresentadas, Maria Silvia Gatti reforçou que qualquer avanço deve vir acompanhado de prudência. “Cautela é a palavra. Precisamos entender o que está sendo feito e como isso impacta o futuro da universidade. O desafio não é apenas administrativo, é de financiamento e de proteção da autonomia universitária”, disse.

Ao finalizar sua participação, a professora Silvia Gatti trouxe números e projeções que evidenciam o cenário financeiro preocupante enfrentado pelas universidades estaduais. Citando as estimativas da Secretaria da Fazenda, ela alertou que a previsão de arrecadação do ICMS caiu de R$ 181,8 bilhões para R$ 175 bilhões em 2025, com perspectiva de apenas R$ 177 bilhões para 2026. “Isso significa que corremos o risco de não ter aumento salarial no próximo ano. E a folha de pagamento da universidade pode romper o limite de 100% do orçamento. É questão de gestão, mas não é só gestão — é falta de recursos”, destacou.

A professora defendeu que o debate sobre a autarquização deve priorizar as causas estruturais da crise financeira, e não se dispersar em disputas políticas externas. “Será que há tanta necessidade de gastarmos tanto tempo falando do Tarcísio, enquanto temos problemas mais graves, inclusive internos?”, questionou.

“Vamos direcionar nossas falas para o que é mais importante: as causas da Unicamp, a saúde docente e dos trabalhadores, e a luta por melhores condições de trabalho e investimento em todas as áreas da universidade.”, disse.

Silvia concluiu reafirmando o compromisso da ADunicamp com a transparência e o debate qualificado. “Vamos batalhar, estudar e fazer tudo que for possível para entender esse processo e informar aqueles que demandam isso. Cautela, dados e clareza. É assim que a gente defende a universidade pública”, finalizou.

A audiência terminou com a indicação de que o tema seguirá em debate, dentro e fora da Unicamp, a partir da divulgação de minutas, dados e cenários antes de qualquer votação no Consu. A realização do encontro foi uma iniciativa da vereadora Fernanda Souto (PSOL). Assista a Audiência aqui.


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