Encontro do GTPAUA do ANDES-SN debate agroecologia, emergências climáticas e retrocessos ambientais no Brasil


Reunindo docentes de diversas partes do país e representantes de movimentos sociais, o Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA) do ANDES-SN realizou, nos dias 27 e 28 de setembro, em Brasília (DF), mais uma edição de seu encontro nacional. A atividade teve como objetivo aprofundar o debate sobre as lutas em defesa da agroecologia, da soberania alimentar, das políticas ambientais e dos direitos territoriais, além de refletir sobre o papel das instituições de ensino superior diante das crises climáticas e socioambientais.

Ao longo de dois dias de programação, o evento promoveu três painéis temáticos que trataram de alguns dos temas mais urgentes da atualidade: a luta pela reforma agrária e pela produção de alimentos saudáveis, a necessidade de inserir a crise climática nos currículos universitários e os riscos representados pelo PL 2159/2021, conhecido como PL da Devastação.

O GTPAUA é coordenado pelas(os) professoras(es) Annie Schmaltz Hsiou (USP), Gracinete Bastos de Souza (UEFS), Luciana Henrique da Silva (UEMS), Marcelo Martins Barreira (UFES), Maria Raquel Garcia Vega (UENF), Muna Muhammad Odeh (UnB), Ruth Helena Cristo Almeida (UFRA) e Regina Célia da Silva (Unicamp), que também é diretora da ADunicamp. Além da professora Regina, estiveram presentes representando a ADunicamp a professora Emília Wanda Rutkowski (FECFAU) e o professor Luciano Pereira (FE), diretor da entidade (foto abaixo).

Agroecologia e soberania alimentar: um campo estratégico de atuação sindical

O primeiro painel do encontro, intitulado O papel do ANDES-SN na luta agroecológica e pela soberania alimentar, contou com as exposições de Luciana Henrique da Silva, 1ª vice-presidenta regional Pantanal do ANDES-SN, doutora em Ciências Sociais pela UFSCar, e Ruth Almeida, 2ª vice-presidenta regional Norte II, doutora em Ciências Agrárias pela UFRA. A mesa foi coordenada por Annie Schmaltz Hsiou e teve relatoria de Marcelo Barreira.

Luciana apresentou um panorama histórico da atuação do GTPAUA e destacou que o enfrentamento ao modelo econômico centrado em commodities deve ser articulado à luta pela reforma agrária e pelos direitos dos trabalhadores do campo e da cidade. Ressaltou ainda a importância de construir um programa mínimo para a questão agrária no âmbito do sindicato e relembrou pautas históricas, como a luta contra transgênicos e agrotóxicos e a defesa de uma alimentação estudantil livre de venenos. Apontou também que a soberania alimentar hoje envolve a disputa por recursos naturais estratégicos, como as terras raras, e defendeu a construção de uma agenda que una justiça ambiental, defesa dos territórios e transição ecológica justa.

Ruth Almeida abordou o papel das instituições de ensino na consolidação da agroecologia como campo científico e político. Segundo ela, embora o conceito tenha ganhado força nos anos 2000, sua presença nos currículos ainda é incipiente e, muitas vezes, restrita a disciplinas optativas. Enfatizou que os conceitos são também instrumentos políticos e fazem parte da disputa de ideias, e que a agroecologia precisa estar integrada às pautas populares e às formações acadêmicas como eixo estruturante. Ruth também chamou atenção para a violência presente nos processos de despossessão de territórios e destacou a importância de pautar o racismo e a justiça ambiental nas estratégias de luta.

Antropoceno e emergências climáticas: desafios para a universidade

O segundo painel, Antropoceno e emergências climáticas nos currículos das IES, reuniu o historiador Luiz Marques, professor sênior da Ilum Escola de Ciência do CNPEM, e Gustavo Seferian, professor da UFMG e ex-presidente do ANDES-SN. Coordenada por Ruth Almeida, a mesa discutiu os desafios impostos pela crise ambiental global e o papel das universidades nesse cenário.

Luiz Marques apresentou um diagnóstico contundente do Antropoceno, caracterizado pela chamada “grande aceleração” das atividades humanas e pelo esgotamento dos limites planetários. Segundo ele, o fracasso de acordos internacionais e da governança ambiental global agrava a situação, e há o risco de o aquecimento global ultrapassar 2 °C antes de 2040, tornando partes dos trópicos inabitáveis até 2070. Para enfrentar esse cenário, defendeu que são necessárias transformações estruturais profundas, e não apenas reformas pontuais. Entre as propostas apresentadas, estão a formulação de políticas informadas pela ciência, voltadas à redução das desigualdades sociais, ao desmonte do sistema energético-agroexportador e à construção de uma globalização política democrática.

Gustavo Seferian complementou a discussão destacando a necessidade de ações concretas dentro das instituições de ensino. Defendeu a criação de protocolos institucionais que reconheçam a emergência climática como condicionante de políticas acadêmicas e sociais e propôs a organização de uma greve global pelo clima, inspirada em mobilizações internacionais lideradas por jovens ativistas. Seferian também alertou para o avanço da ingerência do agronegócio nas universidades por meio de parcerias e financiamentos e ressaltou que é fundamental garantir que as instituições estejam a serviço da vida e da transformação social, e não dos interesses do capital.

PL da Devastação: ameaça aos direitos territoriais e à legislação ambiental

Encerrando a programação, o terceiro painel – A humanidade e a natureza em risco: os impactos do PL 2159/2021 – foi conduzido pela pesquisadora Melka Barros, integrante da Teia dos Povos do Ceará e do Instituto Vozes da Terra. A mesa abordou as profundas alterações que o projeto traz ao marco do licenciamento ambiental no Brasil e suas implicações sociais e ecológicas.

Melka alertou que o PL, apelidado de PL da Devastação, retira a exigência de outorga de uso da água, permite o autolicenciamento de empreendimentos, enfraquece órgãos ambientais e isenta instituições financeiras de responsabilidade por danos socioambientais. Outro ponto crítico destacado é a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que autoriza a aceleração de projetos considerados estratégicos, mesmo com alto potencial de degradação ambiental.

Os impactos sobre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais também foram enfatizados. O texto restringe a análise de impactos apenas a terras homologadas ou tituladas e reduz a área considerada para estudos ambientais, ameaçando direitos constitucionais e formas de vida. Melka apontou ainda que o projeto ignora a Convenção 169 da OIT, que garante a consulta livre, prévia e informada, e fragiliza a proteção de territórios e ecossistemas essenciais.

Construção coletiva e perspectivas

Os debates realizados ao longo do encontro reafirmaram a importância do GTPAUA como espaço estratégico de articulação e formulação política dentro do ANDES-SN. Ao discutir soberania alimentar, emergências climáticas e retrocessos legislativos, o grupo reforçou a necessidade de unir as lutas do campo e da cidade e de colocar a universidade a serviço da sociedade e da justiça socioambiental.

Em breve, o GTPAUA publicará o relatório final do encontro com todos os encaminhamentos, e a ADunicamp fará a divulgação em todos os seus canais.


0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *