Formação sindical, intercâmbio com movimentos sociais e reflexão latino-americana marcam encontro em Guararema
Logo nas primeiras horas da manhã, participantes começaram a se reunir na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema/SP. Entre os blocos de tijolo aparente, bandeiras e áreas arborizadas que marcam o espaço, muitos aproveitavam o café da manhã coletivo oferecido pela escola — uma tradição que reflete sua prática de convivência e organização comunitária
O ambiente reunia educadores, estudantes e militantes de diferentes países da América Latina em torno de uma agenda comum. Reconhecida por sua construção coletiva e pela missão de promover formação política popular, a ENFF foi o cenário de um debate central para o presente e o futuro: o papel da COP30 e as disputas em torno da agenda climática global.
Nesse contexto a ADunicamp realizou, no último dia 25 de outubro, mais uma atividade do seu programa de formação sindical, acompanhando o debate “COP30: o que está em jogo”. A participação integra uma agenda contínua da entidade que busca aproximar seus funcionários e funcionárias da vida sindical, fortalecendo o entendimento sobre o papel social da universidade pública e ampliando o diálogo com experiências de formação política popular e lutas sociais no país.
Uma escola construída pela luta e pela solidariedade
Criada em 2005 e mantida por doações, trabalho voluntário e parcerias, a Escola Nacional Florestan Fernandes é reconhecida por sua arquitetura coletiva e por seu papel na formação política de militantes do Brasil e da América Latina. A escola abriga salas de aula, biblioteca, alojamentos, refeitório e um ambiente que mistura memória, estudo e prática social.
A Assessora Executiva da Associação dos Amigos e Amigas da ENFF, Cecília Luedemann, celebrou a presença da ADunicamp e destacou sua relevância para a manutenção do projeto educativo. “A ADunicamp tem sido uma parceira fundamental. O apoio e a presença constante da associação fortalecem a missão da escola, que é formar sujeitos críticos e comprometidos com a transformação social”, afirmou.
A visita reforça a estratégia da ADunicamp de investir na formação política e na construção de uma entidade conectada às demandas sociais e populares.
Conhecimento, cuidado e compromisso com a vida
Durante o debate a presidente da ADunicamp, professora Silvia Gatti, destacou que a construção de consciência crítica é parte essencial da ação sindical. “A formação sindical precisa ir além das questões corporativas. Deve inspirar engajamento social, compromisso com a transformação e defesa da vida”, afirmou.
Com sensibilidade, Silvia conectou a ciência à luta em defesa da natureza e da dignidade humana ao dizer que “a ciência deve estar a serviço da vida, e é isso que reafirmamos aqui”. Em seguida, ela anunciou uma iniciativa inspirada pela visita. “Vamos lançar uma grande campanha de proteção de árvores frutíferas nas cidades da região de Campinas. Queremos ser exemplo dentro da universidade e fortalecer ações concretas de sustentabilidade.”
A fala, acolhida com aplausos, expressou o espírito que uniu o encontro: conhecimento que não se fecha em si mesmo, mas se converte em ação e solidariedade.
COP30: o que está em jogo
A mesa de debate reuniu lideranças do Brasil, Venezuela, Colômbia e Cuba em torno da próxima Conferência do Clima, que será realizada em Belém (PA) em 2025.
Natália Lobo, da Marcha Mundial das Mulheres e da SOF, abriu o debate apontando para os limites das chamadas “soluções verdes” propostas pelo mercado e por organismos internacionais. “A crise ambiental é parte constitutiva do capitalismo. O sistema cria o problema e tenta vendê-lo como solução. Precisamos de soberania dos povos e justiça ambiental.”
Para ela, a luta ambiental é inseparável da luta feminista e antimilitarista. “A indústria militar é um dos maiores motores de destruição ambiental. Falar de clima é também falar de guerra.”
Ecossocialismo e reparação histórica
O venezuelano Daniel Ricardo Rodríguez Medina, da Frente Francisco de Miranda, seguiu reforçando que a crise climática exige transformações profundas. “A crise é civilizatória. Não pode ser resolvida pelos mesmos mecanismos que a produziram. O ecossocialismo não é slogan — é um caminho necessário para colocar a vida no centro.”
Ele chamou atenção para o direito dos povos latino-americanos à reparação histórica pelos danos socioambientais causados pelo colonialismo e pelo capitalismo global. “Não estamos pedindo favores. Exigimos justiça. A unidade dos povos é a nossa arma diante do imperialismo.”
Territórios em disputa e transição popular
A colombiana Natalia Paola Rincón Vega, do Congreso de los Pueblos, denunciou o avanço de megaprojetos de energia sobre territórios tradicionais. “Em La Guajira, onde mais de 50% do território é indígena, os parques eólicos chegam sem consulta e sem benefício para as comunidades. A transição não pode repetir o extrativismo.”
Para ela, a COP30 precisa garantir participação popular real: “Queremos uma transição energética justa, vinculante e construída com quem vive nos territórios.”
Educação popular, soberania e defesa da vida
De Cuba, Glendy Hernández Arozarena, do Centro Memorial Dr. Martin Luther King, apresentou experiências como a Tarea Vida, um plano de Estado de Cuba para enfrentar a mudança climática, vigente desde 2017. “As mudanças climáticas já transformam o nosso país: secas, furacões, erosão. Respondemos com educação popular, agroecologia e participação comunitária.”
Ela ressaltou o papel das mulheres e dos movimentos populares no enfrentamento da crise climática. “Somos uma sociedade que ainda enfrenta o patriarcado e o bloqueio. Mas avançamos com solidariedade e com a certeza de que cuidar da vida é um ato revolucionário.”
Agroecologia e futuro
Encerrando as falas, Kallen Oliveira, coordenadora do Centro agroecológico Paulo Kageiama e integrante do Setor de Produção do MST, defendeu a agroecologia como caminho concreto para enfrentar a crise ambiental. “A terra não é mercadoria. É morada da vida. A agroecologia é nossa resposta ao veneno e à destruição.”
Ela apresentou resultados expressivos do movimento: “Já plantamos mais de 40 milhões de árvores. Produzimos arroz orgânico em escala nacional. Criamos escolas, biofábricas e tecnologias sociais que nascem do povo para o povo.”
Em uma síntese poética e política, ela afirmou que “plantar água é recuperar nascentes. Plantar árvores é cultivar futuro. Não recuaremos.”
Educação, luta e esperança
O encontro encerrou-se com a reafirmação de que a luta ambiental é inseparável da luta por justiça social, soberania e dignidade. A visita marcou não apenas um momento de formação, mas de aliança concreta entre universidade pública e movimentos populares.
Como resumiu Silvia Gatti, durante sua intervenção, “defender a vida é defender a educação e o direito de transformar o mundo.” E, na ENFF, entre árvores jovens e sonhos coletivos, ficou a sensação de que esse futuro está sendo plantado — com cuidado, com luta e com esperança.
Fotos: Flávia Catusso / ADunicamp












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