A terceira mesa do primeiro dia do seminário “O Negacionismo Científico e os Ataques à Pesquisa em São Paulo” teve como título “A comunicação como ferramenta estratégica na defesa da ciência pública”. A mesa reuniu as jornalistas Claudia Santiago (Núcleo Piratininga de Comunicação) e Adrielen Alves (Empresa Brasileira de Comunicação, e Paulo Salvador (Rede TVT). A mesa foi mediada pelo jornalista Wanderley Garcia, editor do portal Radar Democrático.
O seminário foi realizado nos dias 24 e 25 de setembro a partir de uma parceria entre a ADunicamp, o portal Radar Democrático, a APqC (Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo) e a Seção Sindical Campinas Jaguariúna do SINPAF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário).
LEIA AS MATÉRIAS DA SÉRIE
Negacionismo das universidades e da ciência pública é um projeto político de direita
Por que defender as universidades e institutos públicos de pesquisa
Ameaças à universidade e à ciência são visíveis, mas também invisíveis
Assista o seminário no canal da ADunicamp no Youtube. Acesse aqui!
A defesa da universidade tem que ir para além dos muros da academia
A comunicação é uma ferramenta essencial para defender as universidades dos ataques orquestrados pela direita neoliberal contra as instituições públicas e pela privatização delas. Mas, para isso, terá que avançar além dos muros acadêmicos e atingir camadas mais amplas da população. Afinal, é a partir da instrumentalização de setores com menos acesso à informação que a comunicação da direita e da extrema-direita desfecha os ataques contra a coisa pública.
Essa avaliação foi feita pela jornalista Claudia Santiago, a primeira palestrante da Mesa, com base em uma experiência de comunicação popular desenvolvida, há várias décadas, pelo Núcleo Piratininga. Hoje, segundo ela, a comunicação enfrenta um novo paradigma, baseado na internet e nas redes sociais, e com a desinformação, por meio das fake news, utilizadas em larga escala.
“E temos que lembrar como isso começou. A eleição de Trump, nos EUA, utilizou um volume descarado de fake news. Mas quando a gente toma conhecimento das redes de ódio em andamento na Itália, Reino Unido, vemos que já eram construídas antes do que vimos de Trump”, apontou Claudia. Ela lembra que o ideólogo da campanha de Trump em 2016, Steve Bannon, afirmou publicamente após as eleições: “Acabou nos EUA e agora é no Brasil”. Ou seja, a mesma estratégia e o mesmo estrategista transformaram a campanha de Jair Bolsonaro naquilo que se viu no Brasil: “O ódio e as fake news como instrumentos de desinformação”, enfatizou Cláudia.
E são esses instrumentos, avaliou ela, que seguem em curso nas campanhas contra a universidade, a pesquisa, a educação e a saúde públicas no país. “Diante de um cenário destes, com um mundo de transformações e a rapidez na comunicação, o que podemos fazer para que as gentes prestem atenção na gente? Afinal, hoje ninguém larga o celular e é informação pra caramba. E o que é mais precioso é a atenção que cada um dá à informação que recebe. Então me perguntam como a Unicamp, Unesp e institutos de pesquisa podem chegar ao povo, num cenário destes. Na verdade, acho que até a Rede Globo gostaria de saber disso (risos). Mas vamos lá!”
Na avaliação de Cláudia, para estabelecer esse diálogo é preciso ir além da internet e das questões internas da universidade. “Essa população que tem menos acesso à informação não costuma ver que aquilo que é produzido e assegurado pelas instituições públicas é o que está ao seu lado, em seu dia a dia. Desde a comida, objetos e equipamentos, até a saúde e a educação é fruto da coisa pública. Penso que é isso que tem que ser permanentemente mostrado e divulgado.”
Mas esse diálogo tem que ir além da internet, ponderou ela, e deve buscar aproximação por diferentes canais. “Desde 2004, há mais de 20 anos, percebemos no Núcleo Piratininga a importância de ligar a comunicação sindical à dona-de-casa, aos bares, às favelas. E fizemos isso,”
Cláudia relatou uma série de experiências feitas nesta direção, com sindicatos de várias categorias e inclusive com a CUT (Central Única dos Trabalhadores), principalmente junto a populações de bairros periféricos e comunidades do Rio de Janeiro. Foram criados, inclusive, jornais impressos pautados e escritos pelos próprios moradores, como o Vozes das Comunidades, que completa neste 2025 os seus 21 anos de existência.
Para estabelecer esse diálogo, pontuou Cláudia, os sindicatos e suas estratégias de comunicação, tiveram que ir além das questões de suas próprias categorias e assumir as questões e reivindicações das populações junto às quais atuavam. “Para ficar em um exemplo, hoje quando a gente fala em extermínio da gente negra, todo mundo entende. Há 30 anos, quando se falava isso, muitos sindicatos não entendiam por que tínhamos que abordar esses temas.”
A comunicação sindical, lembrou Cláudia, teve que assumir também a luta pela moradia nas favelas, o debate sobre as milícias e o tráfico e assim por diante. “Hoje, a escala 6×1, por exemplo, não é uma questão do docente das universidades, mas é uma questão da população, assim como muitas e muitas outras. Por isso, se quisermos dialogar com essas populações, temos que assumir as lutas pelas questões vitais a elas.” E é preciso investir na comunicação do sindicato, ampliar suas pautas, trabalhar junto a quem faz comunicação popular nos bairros. “Diante do crescimento da comunicação ‘popular popularesca’, temos que ter nossa comunicação profissional”, concluiu Claudia.
A comunicação pública em defesa da ciência e da coisa pública
A desinformação se transformou hoje em uma grande preocupação para qualquer veículo de comunicação do país. “E muito mais para uma empresa pública como a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação)”, avaliou Adrielen Alves que, além de um conjunto de funções, é a jornalista de comunicação da EBC, em Brasília. Um dos papéis da EBC, disse ela, é exatamente o de combater a desinformação. “Então é uma luta para conseguirmos apagar incêndio o tempo inteiro. Combater a desinformação e o negacionismo, que a gente sabe como funciona, tem uma estrutura muito grande por trás, é quase desumano hoje no Brasil.”
E esse combate à desinformação exige um esforço permanente para produzir e fazer chegar à população a informação de qualidade. Na área da ciência, lembrou Adrielen, o Brasil tem sido bombardeado pelo negacionismo desde os tempos da Covid-19, com as raias do absurdo da negação da vacina. Por isso, a ciência é agora uma das pautas permanentes da EBC.
A EBC, que chegou quase a ser desmontada durante o governo passado, construiu hoje uma poderosa estrutura de comunicação que envolve a Rádio Nacional, a Agência Brasil, a Rádio MEC e a Rádio Agência Nacional. Todo o material produzido pode ser replicado gratuitamente. “Então hoje a EBC chega a todas as regiões do país, inclusive em áreas remotíssimas. O seu conteúdo é replicado por milhares de agências de notícias, de emissoras de rádios, televisão, jornais e outros veículos de comunicação.”
E essa estrutura, disse ela, é considerada como uma ferramenta estratégica na defesa da ciência e da popularização da ciência. E está aberta para divulgar conteúdos das universidades e dos institutos de pesquisa pública.
Adrielen relatou que documentários como o Projeto Vacina, entrevistas da EBC com cientistas sobre alimentação, saúde e avanços que a ciência tem conquistado no Brasil, são acompanhados em larga escala pelos diferentes canais de comunicação. “Temas como a situação da Terra, a mudança climática, as pesquisas incríveis desenvolvidas pela ciência brasileira e muitos outros têm sido replicados por milhares de agências.”
A EBC tem desenvolvido estratégias para se comunicar com os mais diferentes públicos, utilizando desde documentários, notícias claras e simples, até radionovelas. “É um desafio levar a ciência para todas as camadas da população. Mas vale o esforço.”
A propagação da mentira nas redes e a sua transformação em verdade
O que chamamos de “redes sociais” de informação sempre existiram. Estiveram e estão nas informações que circulam nos bares, nos locais de trabalho, nas igrejas e assim por diante. Hoje, com a internet e os celulares elas centuplicaram, mas o modelo é o mesmo, na opinião do presidente da Rede TVT. “Então a informação da ‘rede’ já circula por esses lugares, antes de ir para a internet. O problema é que instituições como a igreja, por exemplo, abraçaram o fascismo. E o fascismo está aí, nas redes.”
E as pessoas que buscam as redes pela internet dizem que vão até elas “para se informar”. “Mas o fato é que vão lá para receber uma informação que alguém já produziu. Se alimentam dela, se alimentam do negacionismo. Como no caso da vacina, um absurdo tal que, quando chegarmos lá na frente, as pessoas vão se perguntar: ‘Como isso pôde acontecer?’”
É assim, segundo Paulo, que conceitos são lançados e dominados, dentro do “mundaréu de informações” das redes sociais pela internet. No caso das universidades públicas, lembrou ele, ataques já eram lançados por grupos neoliberais e privatistas desde um passado distante. A informação e a crítica rolavam nas “redes” das ruas e tais, antes da internet. “Agora, a pessoa vê essa mesma informação hipertrofiada na internet e assimila e a informação domina.”
As big techs que dominam a internet estão nas mãos de meia dúzia de empresas e as grandes empresas de comunicação brasileiras são de famílias, de clãs. “E o principal problema é que elas são neoliberais, então são negacionistas, dizem que universidade pública não cumpre seu papel e por aí vão. Então o ouvinte, que já ouviu isso lá atrás, assimila como verdade. E aí, pronto! Está criado o factoide.”
O mesmo ocorre com as informações e obscurantismos propagados sobre a Palestina. “A comunicação da OTAN domina e é distribuída para todo o Ocidente. Daí como todo mundo falou que a Palestina é terrorista, qualquer fake news já parte disso e vira verdade. Então, não temos como fugir, a guerra cultural está presente na vida.”
Paulo lembrou que em suas atuações sindicais ele sempre buscava sensibilizar as entidades e pessoas sobre a importância estratégica da comunicação. A sua origem é o sindicato dos bancários que, como ele diz, sempre teve uma tradição de comunicação. Juntamente com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região fundaram e dirigem a Rede TVT. “Existe muita ingenuidade na forma como a comunicação é tratada por sindicatos. Toda entidade sindical tem que ter uma comunicação muito eficiente. A comunicação é necessária e também exige muito contato na base.”
A pesquisa e o contato com a base, muitas vezes, mudam o rumo da comunicação. “Às vezes pensávamos que estávamos certos valorizando a discussão do salário, dos reajustes. Daí vamos na base e percebemos que estávamos errados, pois a verdadeira reivindicação naquele momento era por melhores condições de trabalho.”
Para Paulo, o negacionismo e o ataque às universidades são desafios da comunicação. A inteligência artificial veio para ficar e as mudanças serão cada vez maiores e mais céleres. “Então temos que vencer inúmeros desafios e quanto mais gente colocarmos falando, desmontando o negacionismo, quanto mais discutirmos, mais importante será a nossa comunicação.”
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