Carta aberta aos colegas do “Unicamp em Movimento”

Prezadas/os colegas do “Unicamp em Movimento”,

Agradeço muito cordialmente os informes encaminhados e o esforço contínuo de manter o corpo docente atualizado sobre as discussões em curso no Conselho Universitário. Aproveito este espaço para me manifestar e chamar a atenção para alguns aspectos relativos ao tema da autarquização.

O movimento de retirada de pauta, embora válido diante da evidente insuficiência de subsídios para uma deliberação madura, precisa necessariamente vir acompanhado de uma tomada de posição nítida e firme. Não basta ganhar tempo: é imprescindível afirmar, de forma intransigente, a defesa dos serviços públicos, o fortalecimento do SUS, a transparência na prestação de contas dos repasses do governo e a recusa a qualquer forma de entreguismo.

O debate em torno da autarquização não é apenas técnico ou orçamentário – é profundamente político. Está em discussão o destino um dos principais patrimônios da Unicamp e da sociedade, em um contexto estadual de precarização crescente do trabalho, expansão de PPPs e OSs, contratações temporárias, pressão fiscal, todos elementos que constituem a plataforma do governo do estado e sua base parlamentar, ávidos em fatiar e entregar os serviços e recursos públicos ao setor privado.

Em ano eleitoral e com a perspectiva da reforma tributária, decidir o futuro do HC-Unicamp e das demais unidades de saúde exige responsabilidade redobrada. Não é trivial perguntar: quem realmente confia em entregar tamanho patrimônio a um governo cujo projeto, na prática, tem fragilizado a esfera pública? É preciso lembrar que Tarcísio tem como meta a reeleição e que o Estado de SP, sob seu governo, tem sido laboratório das principais pautas de uma extrema direita que se vale inclusive, e sem pudor, da violência de estado para implementar uma agenda ultraneoliberal.

O “desmonte” da Unicamp evidencia que as decisões em curso extrapolam o campo administrativo, exigindo posicionamento público e político de nossa comunidade.

Também é preciso registrar que o gestor Tarcísio tem concedido desonerações fiscais recordes, favorecendo segmentos específicos da sua base enquanto pressiona ainda mais setores essenciais – saúde e educação – a operarem sob subfinanciamento crônico. Nesse cenário, abre-se espaço para modelos de gestão que vinculam a sobrevivência das instituições a receitas próprias, editais, convênios e parcerias instáveis.

Para corroborar essa discussão, reproduzo a seguir uma síntese dos riscos apontados em um parecer técnico-jurídico exarado pelo setor jurídico da ADunicamp, que não podem ser minimizados. Caso efetivada, a autarquização pode:

  • Prejudicar o serviço de saúde ao fragmentar a gestão entre Secretaria de Estado da Saúde e Unicamp, em detrimento da indissociabilidade entre assistência, ensino e pesquisa que  caracteriza o hospital universitário;
  • Mercantilizar o serviço público de saúde, prejudicando a qualidade do atendimento e o foco na busca de recursos, que poderá desencadear na cessão do controle do HC-UNICAMP para  uma Organização Social de Saúde (OSS), como vem sendo praticado pelo Governo do  Estado de São Paulo em outros hospitais públicos estaduais;
  • Ampliar os riscos de crise financeira do hospital, ao retirar progressivamente a participação orçamentária da Unicamp, sujeitar o HC-UNICAMP à disputa de recursos em ambiente de  subfinanciamento da saúde e incentivar forte dependência de receitas próprias e parcerias,  mais sensíveis a flutuações econômicas e políticas;
  • Favorecer a precarização das relações de trabalho, ao adotar regime celetista como regra, abrir ampla margem para contratações via convênios e parcerias e criar estrutura de gestão  com elevado número de cargos em comissão, o que tende a aumentar a rotatividade, reduzir  a estabilidade das equipes e fragilizar o compromisso de longo prazo com o projeto  acadêmico;
  • Impor riscos relevantes à educação universitária, ao enfraquecer, na prática, a autonomia da Unicamp sobre o seu principal campo de prática na área da saúde, ao deslocar o centro de  decisões para uma autarquia vinculada à Secretaria de Saúde e ao vincular a retirada de  recursos da saúde a metas de expansão de vagas na graduação, sem garantias  proporcionais de condições acadêmicas. 

 É importante lembrar que a autarquização já foi aprovada pelo Consu no passado, mas não implementada — o que reforça que não há urgência técnica que justifique tamanha precipitação. O que há é um contexto político que demanda vigilância e organização política para se disputar o orçamento adequado para os serviços públicos no estado.

O que a comunidade universitária e a sociedade esperam é que os docentes e gestores desta universidade avancem em uma postura assertiva, combativa, responsável e radical na defesa da educação, da saúde pública e dos serviços públicos em geral. O corpo docente – representado no Consu da Unicamp – tem a responsabilidade histórica de pressionar nossos gestores a disputar o financiamento público.

Esperamos que não se rendam a um discurso de “austeridade” que beneficia sempre a cada vez mais uma determinada classe. O impacto de decisões tecnocratas recai sobre os mais pobres e sobre as áreas que mais dialogam diretamente com a população, como é o caso da saúde.

A retirada de pauta abriu uma brecha importante. Agora, cabe preenchê-la com posição firme, compromisso público e defesa incondicional de uma universidade verdadeiramente pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.

Agradeço uma vez mais pela possibilidade de dialogar e contribuir no aprofundamento dessa discussão.

Profa. Dra. Regina Célia da Silva
Docente de língua italiana do Centro de Ensino de Línguas
Diretora Financeira da ADunicamp
2ª Vice Presidente da Regional SP – ANDES-SN

******

Divulgação realizada por solicitação da professora Regina Célia da Silva, na condição de sindicalizada à ADunicamp. As opiniões expressas nos textos assinados são de total responsabilidade do(a)s autore(a)s e não refletem necessariamente a posição oficial da ADunicamp, nem de qualquer uma de suas instâncias (Assembleia Geral, Conselho de Representantes e Diretoria).

0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *