O negacionismo da ciência e das universidades públicas vai além da falta de informação ou de simples erros de interpretação por parte de amplos setores da sociedade brasileira. Ele tem uma proposta política clara, sedimentada no projeto de setores da direita e especialmente da extrema-direita e busca minar a credibilidade da ciência e das universidades públicas para abrir espaço a interesses ideológicos, econômicos ou de poder.
E, diante do crescimento vertiginoso do negacionismo no país, é urgente que as universidades e instituições públicas encontrem estratégias para se aproximar e dialogar com os segmentos da sociedade que têm sido bombardeados pelo discurso negacionista.
Estes foram alguns dos principais temas debatidos na quarta-feira, 24 de setembro, nas três mesas do primeiro dia do seminário “O Negacionismo Científico e os Ataques à Pesquisa em São Paulo”, que reuniu pesquisadores, docentes, jornalistas, e representantes de entidades acadêmicas e sindicais.
O seminário, que prosseguiu e se encerrou na quinta-feira, 25 de setembro, foi organizado pela ADunicamp, em parceria com o portal Radar Democrático, com a APqC (Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo) e com a Seção Sindical Campinas Jaguariúna do SINPAF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário).
Negacionismo se enraíza na sociedade e coloca universidade e ciência em risco
A primeira mesa de debates do primeiro dia do Seminário teve como título “Por que defender as universidades e institutos públicos de pesquisa?”. Mas, já na Mesa de Abertura, quando os debatedores do dia se apresentaram ao público e aos demais participantes, a questão dos ataques negacionistas à ciência e às universidades públicas, foi a questão central.
“O negacionismo tomou curso no país, e também no mundo, a partir de uma posição político partidária. Mas o que vimo é que o processo foi se agigantando, com mais pessoas aderindo a isso. E nós temos que encarar isso de frente, pois temos um papel político e também social. Trabalhamos para a sociedade. A ciência, como vemos aqui, na saúde, na agricultura e assim por diante”, ponderou a presidenta da ADunicamp, professora Silvia Gatti.
A professora lembrou que o negacionismo, como tem sido despejado no Brasil, provoca uma ruptura muito grande da população com o servidor público: “A sociedade fala horrores, não entende o papel do servidor público.” Daí, segundo ela, a necessidade da universidade, dos institutos e das empresas públicas de dialogar e mostrar para a população “o retorno que damos à sociedade”. Na opinião dela, é preciso não apenas criticar o negacionismo, mas mostrar esse “retorno” para negacionistas que aderiram ao discurso por falta de informações. “Temos que convencer esse negacionista do contrário.” Na mesma direção, falaram o presidente da Adusp, Márcio Moretto Ribeiro, e o da Adunesp, Antônio Luís de Andrade.
“O negacionismo é uma faceta do populismo. E é uma ambiguidade, pois coloca outros atores em diferentes campos. Traz na ciência atores que não faziam parte do universo científico. Ao mesmo tempo, o populismo esfacela as instituições de mediação, como vimos na pandemia, com a campanha para desacreditar órgãos de vacina. Esse negacionismo, que vem do populismo de direita, coloca o desafio da universidade discutir com a sociedade. Trazer a universidade para a sociedade”, defendeu o professor Marcio Moretto.
Na avaliação do professor Antônio Luís, o negacionismo trouxe o temerário obscurantismo para dentro da sociedade, com fake news absurdas sendo replicadas e amplamente aceitas como verdades. “Entre tantos absurdos, que já conhecemos largamente, cheguei a ouvir gente acreditando piamente que o Brasil está importando arroz de plástico da China.” Para ele, o mais temerário é quando essa dimensão penetra e se sedimenta no interior da sociedade, fazendo com que as mentiras e ideologias “se transformem em senso comum, deixem de ser combatidas e questionadas”. “Por isso, temos que dialogar sim com a sociedade, pois esse senso comum está lá na periferia, dialogando com a dona de casa.”
“A gente não se dá conta do tamanho do estrago que isso está provocando. Tivemos ataques violentos às nossas universidades, instituições de pesquisa e institutos sindicais. Um ataque violento que agora se faz descaradamente”, afirmou o professor Antônio. Ele propôs a criação de um SOS Ciência e Tecnologia, movimento que integraria docentes, pesquisadores e apoiadores que hoje atuam de forma isolada, para buscar aprofundar o diálogo com a sociedade e se defender dos ataques.
O agrônomo e pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Ricardo Costa Rodrigues de Camargo, presidente da Seção Sindical Campinas e Jaguariúna do SINPAF, reforçou a importância de estender o diálogo e levar informações reais sobre a ciência e os serviços públicos para a sociedade. “Há uma estratégia política que envolve o movimento da direita negacionista. Ela quer a negação da ciência e nem eles sabem para onde isso vai levar. Mas a proposta é o desmonte da ciência e da universidade pública, essa é a lógica. E nosso desafio agora é trazer esse tema para a sociedade.”
Também participaram da Mesa de Abertura do seminário a presidenta da APqC (Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo) Helena Dutra Lutgens e o pesquisador e diretor do portal Radar Democrático, Rogério Bezerra da Silva, que também reafirmaram a importância de encontrar estratégias e manter a unidade em defesa das universidades públicas e dos institutos de pesquisa.
A partir de hoje (26/09), a ADunicamp e o Radar Democrático publicam, em seus sites, textos com relatos daquilo que foi apresentado nas mesas de debate dos dois dias do seminário. acompanhe a série!
Os vídeos com a integra do seminário também estarão disponíveis, em breve, no canal da ADunicamp no Youtube.
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