Debate sobre o genocídio em Gaza reafirma importância da Unicamp romper convênio firmado com a israelense Technion


Não há nem uma causa que justifique o extermínio de um povo. E o mundo assiste hoje uma tentativa de extermínio sem precedentes na história recente da humanidade, o massacre promovido por Israel contra o povo palestino. E só uma poderosa pressão internacional será capaz de mudar o genocídio em curso. Essas foram conclusões unânimes dos palestrantes que participaram, nesta terça-feira, 16 de setembro, do debate “Genocídio em Gaza e a campanha mundial de boicote a Israel”, promovido pela ADunicamp (assista no aqui ou no player abaixo).

E, defenderam os debatedores, pela importância de toda forma de pressão sobre Israel neste momento, é imperativo que a Unicamp rompa imediatamente o convênio que mantém firmado com a Technion (Instituto de Tecnologia de Israel), universidade mais antiga de Israel. Um dos objetivos do debate foi exatamente o de dar subsídios para a Assembleia Extraordinária de docentes, convocada pela ADunicamp para o próximo dia 23, com o objetivo de construir e definir uma posição da categoria sobre o convênio. A Technion, como foi fartamente mostrado durante o debate, mantém uma relação direta com o complexo armamentista e de segurança do Exército de Israel.

Participaram do debate o mestrando em Relações Internacionais no Instituto San Tiago Dantas e integrante do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, Shajar Goldwaser; Andressa Oliveira Soares, do Comitê Nacional Palestino do BDS (Boicotes, Desinvestimentos e Sanções); e a professora Stella Paterniani (IFCH), do Comitê Unicamp de Solidariedade ao Povo Palestino. A mediação foi conduzida pelos professores Luciano Pereira (IE), diretor da ADunicamp, e André Kaysel Velasco (IFCH).

Shajar, o primeiro a falar durante o debate, defendeu a necessidade de denunciar e romper não apenas com o atual governo de extrema-direita direita de Israel, mas com o conjunto da ideologia sionista, que por si só alimenta o genocídio, e em hipótese nenhuma aceita a convivência com o povo palestino. Nascido em Jerusalém e vindo para a Argentina e depois ao Brasil, após os 7 anos de idade, Shajar viveu toda a infância, adolescência e primeiros anos da idade adulta mergulhado no que ele chama de construção da ideologia sionista.

O sionismo, ponderou ele, não admite a coexistência ou a existência do povo palestino. “Fomos educados e permanente martelados pela propaganda sionista com ideia de que a Palestina é uma ameaça existencial para Israel. Essa ameaça existencial propaga que qualquer ataque a Israel é um ataque a cada judeu. E isso está diretamente relacionado com o nenhum direito ao povo palestino, ou seja, a existência do povo judeu está diretamente ligada à negação do povo palestino.” Assim, para o povo judeu, lembra ele, foi construída a ideia de que ao ouvir o slogan “Palestina Livre” cada um está ouvindo um ataque a todo judeu. “Eu mesmo sentia isso, sentia que ‘Palestina Livre’ era um ataque à minha existência.”

Shajar relatou que só começou a tomar consciência da complexidade defensora do apartheid e genocida da ideologia sionista quando ingressou na Faculdade de Direito da PUC de São Paulo, em 2010. “Comecei a estudar as diferenças e o que realmente alimentava o sionismo.” Essa consciência, afirmou ele, já era crescente entre muitos integrantes da comunidade judaica no Brasil e no mundo. Mas ganhou impulso com a política extremista do atual governo de Benjamin Netanyahu.

Foi a partir daí que ele e outros judeus começaram a construir no Brasil, a partir de 2015, o coletivo Vozes Judaicas por Libertação. “Ainda somos poucos, mas é crescente a consciência daquilo que realmente representa o estado de Israel, o sionismo. A partir de 2023, essa consciência tomou um forte impulso também entre nós judeus. É fácil ser contra Netanyahu, mergulhado que ele está em casos de corrupção. Mas o que temos que discutir é a ideologia do Estado de Israel, o sionismo, para quem o povo palestino não tem o direito à vida.”

BOICOTES, DESINVESTIMENTOS E SANÇÕES

Andressa Soares, na segunda palestra da noite, descreveu que o Comitê Nacional Palestino do BDS é pautado no Direito Internacional e inspirado nas pressões mundiais que, além das lutas internas, foram fundamentais para colocar um fim, em 1994, ao regime de apartheid que imperava na África do Sul desde 1948.

Andressa, doutora em Direito Internacional pela USP, relatou que o Comitê foi criado em 2004, quando a Corte Internacional de Justiça, reconheceu a ilegalidade dos muros construídos por Israel para confinar o povo palestino na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.

O Comitê foi criado para denunciar a segregação racial imposta por Israel à população palestina e inspirar instituições e governos a romperem as mais diferentes formas de relação com o governo sionista de Israel. Daí a sigla BDS, que propõe rompimentos a partir de boicotes, desinvestimentos e sanções.

Os boicotes propõem a retirada do apoio as instituições esportivas, culturais e acadêmicas de Israel. Assim, a partir do próprio Comitê, foi criada em 2004 a Campanha Palestina pelo Boicote Acadêmico e Cultural a Israel. Esses boicotes, avaliou Andressa, dão visibilidade ampla e chamam para a compreensão do apartheid, da segregação e da realidade do genocídio que ocorre na Palestina.

O boicote acadêmico, como ocorreria com o rompimento do convênio da Unicamp com a Technion, tem um significado especial, avaliou Andressa. “Quando se fala em boicotar empresas, fica clara a importância. Mas quando se fala em romper com universidades, com boicote acadêmico e cultural, surgem vários questionamentos e dúvidas. Mas esse boicote é muito importante para mostrar que nestas instituições a toda uma estrutura em defesa do etnoestado, do apartheid. Há discriminação total, inclusive dentro das universidades que, em Israel, têm um papel fundamental na manutenção do sistema militarizado. Todas têm ligação com o Exército ou com as empresas de armamentos.” (Leia mais, abaixo)

Além disso, afirmou Andressa, nenhuma universidade israelense reconhece os direitos do povo palestino. “Então, quando estabelecemos convênios e cooperação com essas universidades estamos normalizando e legitimando o apartheid.”

Já o D, da sigla BDS, corresponde à promoção de campanhas de desinvestimento que pedem a conselhos locais, igrejas, instituições, fundos de pensão, universidades e bancos a retirada de investimentos feitos junto ao Estado de Israel e às empresas israelenses e internacionais que sustentam o apartheid. Essas campanhas, lembrou Andressa, já provocaram ao redor do mundo cortes de milhões de dólares em investimentos feitos em Israel.

Já as campanhas de sanções, o S da sigla, pressionam governos a cumprir suas obrigações legais de combater o apartheid israelense e não ajudar ou auxiliar sua manutenção, proibindo negócios com assentamentos israelenses ilegais, encerrando o comércio militar e os acordos de livre comércio, bem como suspendendo a participação de Israel em fóruns internacionais, em órgãos como a ONU ou a Fifa.

“O regime segregacionista da África do Sul tinha toda uma blindagem, como tem o de Israel hoje, inclusive ambos protegidos também pelos Estados Unidos e as potências europeias. E, claro, tivemos lá toda uma resistência interna. Mas o regime foi estrangulado, isolado, e o apartheid teve que ser extinto. As campanhas BDS tiveram um importante papel nessa história e, hoje, para provocar o isolamento de Israel, que é cada vez maior.”

PELO FIM DO CONVÊNIO

A professora Stella participou do debate em nome do Comitê Unicamp Palestina Livre, do qual ela é integrante, e o seu principal foco foi mostrar a solidez dos argumentos em defesa do rompimento do acordo da Unicamp com a Technion. O Comitê, lembrou ela, reúne docentes, estudantes e trabalhadores/as tecno-administrativos da Universidade que “repudiam o genocídio do povo palestino em curso na Faixa de Gaza e na Cisjordânia”.

O convênio com a Technion, argumentou ela, já teria inúmeros motivos para ser rompido, ou sequer ser firmado em 2023, mas os últimos acontecimentos na Palestina reforçam exponencialmente essa urgência. “Sabemos que a história de massacre ao povo palestino não é recente, mas aqui cabe destacar que, desde o início da ofensiva israelense contra os palestinos em outubro de 2023, temos acompanhado, horrorizadas, o assassinato de aproximadamente 70 mil pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, por meio de ataques militares de drones, lançamento de mísseis e bombas em escolas, hospitais, casas de civis e na destruição de toda a infraestrutura do território.”

Desde março deste ano, lembrou ela, a população de Gaza não recebe ajuda humanitária por causa do bloqueio promovido por Israel, que proíbe o acesso dos palestinos a água, mantimentos, medicamentos e itens de necessidade básica, “se valendo da fome como arma para o genocídio”.

Stella informou que uma “extensa e vasta literatura, como livros, periódicos e sites, tem demostrado rigorosamente que a Technion está integrada às Forças Aramadas de Israel”, inclusive criando um canal entre a universidade e a indústria militar. Ela citou trechos de trabalhos publicados pela antropóloga israelense Maya Wind revelando que a Technion levou “empresas israelenses de armas para o campus, desenvolvendo programas para integrar seus alunos à indústria enquanto ainda estão nele matriculados”.

Diante de todos esses fatos, o Comitê Unicamp Palestina Livre defende que a Consu da Unicamp paute novamente, e o mais breve possível, uma nova discussão sobre o rompimento do convênio com a Technion.


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