Carta Aberta e denuncia campanha orquestrada contra universidades


A ADunicamp divulgou nesta segunda-feira, 21, uma Carta Aberta dirigida aos seus associados e à comunidade acadêmica, na qual lança um alerta e se manifesta contra a “campanha de cerco à USP, Unesp e Unicamp” que tem sido desfechada por setores políticos do país, com forte apoio em segmentos da grande imprensa. “O sistema universitário paulista está em perigo”, afirma a carta.
De acordo com o documento, os ataques que têm sido desferidos contra as universidades públicas paulistas atendem “às grandes empresas de ensino, a quem interessa minar a estrutura e o prestígio das universidades públicas”.
“No momento atual, a campanha difamatória pressiona pelo corte dos salários dos docentes. Em outros momentos, ela já alardeou a ideia de que as universidades paulistas possuiriam um contingente excessivo e ocioso de funcionários técnico-administrativos”, aponta o documento, que lembra ainda a campanha contra a gratuidade do ensino, desferida em 2013 e que proclamava a necessidade de implantar o ensino pago nas três universidades públicas paulistas, com base em “tabelas grosseiras”.
A Carta Aberta afirma que a campanha em curso visa confundir a opinião pública e segmentos do mundo universitário e indica uma orquestração de interesses econômicos e políticos claramente definidos no cenário brasileiro atual: “(…) o capital financeiro, que aspira desviar parte ainda maior do orçamento público para o pagamento de juros, e o interesse de governos que insistem no sofisma de que é necessário aplicar uma política econômica recessiva para combater a recessão”.
O documento conclama a comunidade acadêmica, a perceber “a gravidade da situação” e conclui: “A ADunicamp vem a público alertar a comunidade universitária para a necessidade de cerrarmos fileiras na defesa das Universidades Estaduais Paulistas, da sua autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira, do tempo integral, da carreira docente”.
Veja, abaixo, a integra do documento da ADunicamp: 
 
Carta Aberta à Comunidade da Unicamp
I
O sistema universitário paulista está em perigo. Nos últimos anos, a grande imprensa, à parte raras exceções, iniciou uma campanha de cerco à USP, à Unesp e à Unicamp. Esse ataque atende às grandes empresas de ensino, a quem interessa minar a estrutura e o prestígio das universidades públicas, o capital financeiro, que aspira desviar parte ainda maior do orçamento público para o pagamento de juros, e o interesse de governos que insistem no sofisma de que é necessário aplicar uma política econômica recessiva para combater a recessão.
É sabido que na luta política aqueles que defendem interesses minoritários não podem explicitar as razões reais das posições que assumem. Seria ingenuidade esperar que a grande imprensa revelasse os verdadeiros motivos do seu ataque às universidades públicas do Estado de São Paulo. A campanha contra a universidade vem embalada, então, em argumentos aparentemente inspirados no sentimento de justiça e preocupados com aquilo que seria uma boa conduta na administração do Estado. Algumas vezes, aponta problemas reais e exibe meias verdades, mas sempre para dar credibilidade a um discurso deformador e interessado. Essa campanha pode confundir a opinião pública, mas não deveria enganar a comunidade da Unicamp que conhece de perto nossas virtudes e nossos problemas.
II
No momento atual, a campanha difamatória da grande imprensa pressiona pelo corte dos salários dos docentes. Em outros momentos, ela já alardeou a ideia de que as universidades paulistas possuiriam um contingente excessivo e ocioso de funcionários técnico-administrativos. Se fôssemos dar crédito a tais afirmações, ignorando, como a grande imprensa ignora, as múltiplas funções que pesam sobre as universidades, estaríamos cortando postos de trabalho. Em 2013, a campanha tomou por alvo a gratuidade do ensino.
Apresentando tabelas grosseiras, a imprensa pretendeu demonstrar que as três universidades paulistas deveriam implantar o ensino pago. Para tanto, recorreram ao falacioso argumento do privilégio. O custo de um estudante que, em tese, poderia pagar para estudar, seria muitas vezes maior que o salário mínimo pago ao trabalhador e cujo filho não teria acesso às universidades mantidas pelo Estado de São Paulo. Numa reverência hipócrita ao sentimento de justiça dos seus leitores, os jornais argumentavam que cada estudante deveria pagar de acordo com o poder aquisitivo de sua família; no limite, haveria estudantes que não pagariam nada. O ensino pago seria também um meio de as universidades obterem uma nova fonte de receitas, aliviando o orçamento do Estado.
É oportuno observar que esse raciocínio é apresentado justamente num período em que as vagas da universidade pública paulista deixaram de ser reserva de mercado de uma elite restrita, tornando-se acessíveis, também, para um contingente crescente de alunos egressos da escola pública. É certo que é preciso ousar mais e democratizar ainda mais o acesso à universidade, mas, justamente, a instituição do ensino pago nos retiraria dessa rota. Se parte do orçamento das universidades passasse a depender das mensalidades escolares, a USP, a Unesp e a Unicamp seriam constrangidas a aumentar a participação no seu quadro discente de estudantes cujas famílias pudessem pagar mensalidades e, de preferência, mensalidades com valores elevados. O odioso sistema de seleção pelo dinheiro estaria definitivamente instaurado.
III
Em 2014 e 2015, o alvo da campanha contra as universidades paulistas passou a ser a carreira dos seus docentes. Os jornais não apenas fazem matéria contra a carreira docente, exigindo corte de salário, como também – numa demonstração inusitada de engajamento político – chegam a entrar na Justiça, exigindo que as administrações das três universidades tomem esta ou aquela decisão – como fez recentemente o diário Folha de S. Paulo.
A USP, a Unesp e a Unicamp estão classificadas, nos rankings internacionais, entre as melhores universidades do hemisfério sul. Esse destaque provém da qualidade do ensino de graduação e de pós-graduação que oferecem e da qualidade, da quantidade e da variedade da pesquisa científica que essas três universidades realizam. Essas instituições estão entre os principais centros de formação de docentes e de pesquisadores para todo o sistema universitário brasileiro. Não cabe aqui apresentar números, mas apenas lembrar que a produção das universidades do Estado de São Paulo não só se encontra em patamares muito elevados para o padrão brasileiro e para o padrão dos países do hemisfério sul, como têm crescido significativamente nos últimos anos. O modelo das universidades paulistas é um modelo muito bem-sucedido e esse sucesso contribui enormemente para o bem-estar da população brasileira e para a economia do nosso país. Quais são os componentes fundamentais desse modelo? Lembremos os principais: autonomia financeira, regime de tempo integral como regime preferencial de contratação docente, carreira docente baseada no mérito, profissionalização e carreira do corpo técnico e administrativo e condições de estudo e permanência para o corpo discente. É esse modelo que se encontra ameaçado.
A grande imprensa e o Tribunal de Contas do Estado obtiveram da Justiça o corte de salário dos docentes que se encontram no topo da carreira – professores titulares e livres docentes com mais de vinte anos dedicados à universidade. Para justificar a demanda do corte de salário dos professores, recorreram aos mesmos argumentos dos quais lançaram mão para demandar a redução do corpo de funcionários e o fim do ensino gratuito: a contenção das despesas públicas e a “justiça social”. Ademais, utilizam, sem nenhum pudor, a prática da desinformação. Dão destaque em suas reportagens a casos excepcionais, sugerindo, nas manchetes e nas entrelinhas, que o excepcional seria a regra e atingindo, assim, a todos. Apresentaram pontos fora da curva como sendo a própria curva. O objetivo é confundir a opinião pública e, inclusive, os segmentos do mundo universitário.
A apresentação de uma meia-verdade é o recurso do qual se vale o mentiroso para dar credibilidade à sua inteira mentira. Nas universidades paulistas, há, de fato e como em outros ramos do setor público, alguns poucos casos de salários exorbitantes, frutos de legislação extravagante e de circunstâncias variadas. A ADunicamp está levantando e analisando cada um desses casos, mas alerta, desde já, que eles não nada têm a ver com o salário da carreira docente, que é uma carreira regulamentada, cujas promoções são baseadas em concursos públicos e que não propicia supersalário algum. Se os salários da carreira docente permitem aos professores livres-docentes e aos professores titulares atingirem, após vinte ou vinte e cinco anos dedicados à universidade, um salário, sem nenhum adicional além dos quinquênios e sexta parte, superior ao subsídio do Governador do Estado, é porque o Governo do Estado, traindo o espírito da lei, está utilizando o subsídio do governador não como um teto para evitar abusos, mas como um instrumento de achatamento salarial que ameaça liquidar carreiras imprescindíveis ao serviço público. Os docentes defendem um teto de carreira como é facultado pela Constituição Federal e como já vigora para o funcionalismo de vinte Estados do Brasil, Distrito Federal e da União; a ADunicamp e os docentes são contra o teto político e aleatório imposto ao funcionalismo paulista.
O corte de salário dos docentes, determinado pelo Judiciário por demanda do Tribunal de Contas e da grande imprensa, é uma decisão que interfere na autonomia financeira da universidade e ignora que o teto salarial arbitrariamente estabelecido pelo Governo do Estado de São Paulo é muito inferior ao teto dos demais Estados do Brasil. O subsídio do governador, que foi imposto como teto em São Paulo, não é salário e o ocupante do Palácio dos Bandeirantes não depende desse subsídio para viver. O corte de salário dos docentes vai afetar profundamente a carreira docente. O cargo de professor titular passará a ser um cargo meramente honorífico, desprovido de qualquer ganho salarial. O achatamento da carreira docente vai repercutir negativamente em todos os seus níveis, espraiando-se em cascata e para baixo, e atingirá, também, a carreira dos servidores técnicos e administrativos – a compressão de salários poderá atingir a todos. Tal situação vai comprometer também o regime de dedicação integral à docência e à pesquisa. O risco é que os docentes que puderem optar venham a preferir trabalhar na universidade em tempo parcial, liberando-se para buscar complementação de ganho fora do trabalho acadêmico. Um pilar fundamental do tão bem-sucedido modelo das universidades paulistas poderá ser destruído.
IV
Talvez nem todos estejam percebendo a gravidade da situação atual. A ADunicamp vem a público alertar a comunidade universitária para a necessidade de cerrarmos fileiras na defesa das Universidades Estaduais Paulistas, da sua autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira, do tempo integral, da carreira docente. Os argumentos da grande imprensa devem ser submetidos ao crivo da análise crítica e as demandas específicas de cada segmento da comunidade universitária não devem ser motivos para que nos lancemos uns contra os outros.
A ADunicamp vem tomando todas as medidas cabíveis e implementando iniciativas políticas para defender a carreira docente e o exitoso modelo universitário do Estado de São Paulo.
ADunicamp – Associação de Docentes da Unicamp
Setembro de 2015


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